“O VEGETARIANISMO E A BÍBLIA
(Edward Maitland)
(Addresses and Essays on Vegetarianism, de Anna Kingsford e Edward Maitland. Capítulo: O Vegetarianismo e a Bíblia)
(p. 214) [N.T.: Essa numeração refere-se às paginas no original.]
(1) [N.T.: Essa numeração refere-se aos parágrafos no original.]
HÁ muitas pessoas para as quais os argumentos de natureza científica, social, econômica e até mesmo de ordem moral a favor de uma dieta vegetariana não são suficientes, mas que requerem, além disso, a sanção da Bíblia. Como estamos preparados para enfrentar questionamentos também sob esse aspecto, elaboramos este breve ensaio para responder o que poderia ser chamado de dificuldades religiosas cristãs no caminho do vegetarianismo.
Os leitores notarão, à medida que avançarmos, que não fazemos nenhum questionamento quanto à autoridade da Bíblia. O único questionamento, se é que é um questionamento, será quanto à interpretação da Bíblia, ou pelo menos quanto a certas partes da mesma. E com o intuito de merecer uma leitura paciente e tolerante das passagens que possam diferir das crenças que os leitores possam estar acostumados, desde logo lembrarei que a crença da infalibilidade da Bíblia é uma coisa – e é algo compatível com o espírito de humildade que é o único com o qual deveríamos nos aproximar das coisas sagradas – mas a crença na infalibilidade de nossa própria interpretação da Bíblia é outra coisa, a qual é incompatível com aquele espírito de humildade.
Naturalmente, esse preâmbulo pode ser totalmente supérfluo, pois pode ocorrer que os pontos de vista que expressamos já sejam os dos leitores. Contudo, seja esse ou não o caso, faz-se necessário para uma ampla defesa de nossa Causa que esse preâmbulo seja feito.
(2) Em primeiro lugar, então, qual a natureza e o propósito da Bíblia? Ela é, antes de qualquer outra coisa, um livro religioso; não um livro científico ou histórico, mas sim uma obra religiosa. E, assim sendo, como a religião não é algo que se direciona principalmente aos sentidos externos ou à razão, mas algo que se relaciona com a Alma, o apelo (chamamento) da Bíblia não é principalmente para os sentidos externos ou para a razão, mas para a Alma.
(3) Se concordarmos com essas premissas, então também não deveremos ter qualquer dificuldade em concordar com as premissas que seguem. Como a Alma não é perecível como o corpo, mas é imortal, e pode tornar-se eterna, os ensinamentos que são necessários para ela não devem se referir a pessoas, coisas ou eventos que sejam do tempo e transitórios, mas
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devem consistir em verdades que são eternas e, portanto, passíveis de uma perpétua aplicabilidade.
(4) Do mesmo modo, uma vez que a Bíblia – sendo um livro religioso e que se dirige à Alma, ou à parte espiritual do homem – trata de coisas internas e espirituais, e não com coisas externas e materiais, é na sua significação espiritual, não na forma externa, que consiste o seu verdadeiro valor e onde ele deve ser buscado.
(5) Quanto a esse último ponto a própria Bíblia se manifesta categoricamente, dizendo que a Letra é algo morto e que mata, e que apenas o Espírito tem vida e dá vida. E não apenas isso, mas a Bíblia insiste também sobre a necessidade do leitor ou ouvinte ter um sentido interno próprio, tão somente por meio do qual o sentido interno da Bíblia pode ser discernido. Assim, constantemente é dito, em relação a alguma afirmação cujo significado principal esteja tão profundamente contido de modo a se constituir em um mistério: – “O que tiver ouvidos para ouvir, que ouça”. E constantemente ela se refere com reprimenda a pessoas que têm olhos que não veem e ouvidos que não ouvem o significado místico escondido sob suas frases simbólicas.
Desse modo, longe de aprovar a concordância (aceitação) cega e não inteligente, a Bíblia repetidamente exalta um Espírito de Compreensão (Entendimento) como sendo o principal dos dons (dádivas) divinos. E ao assim fazer, como podemos observar, a Bíblia não é inconsistente consigo mesma quando ao enumerar as graças divinas da Fé, Esperança e Caridade, ela declara que a principal delas é a Caridade. Pois a Caridade é uma com o Amor, e o Amor é um com a Simpatia, e a Simpatia é o primeiro e o último passo da Compreensão (Entendimento). Assim, é para a vossa Compreensão (para o vosso Entendimento) que apelamos no que diz respeito ao reconhecimento daquilo que apresentaremos nesta ocasião.
(6) Das premissas assim estabelecidas, decorre a seguinte importante conclusão, a qual é uma chave mestra para a interpretação das Escrituras: – Tudo o que há de mais verdadeiro na Bíblia é espiritual, e nenhum dogma ou doutrina são verdadeiros quando pareçam ter um significado físico, ou que não seja espiritual. Se forem verdadeiros e, contudo, nos pareçam ter uma significação material, é porque nós ainda não os resolvemos, e assim se constituem para nós num mistério, para o qual ainda temos que buscar a interpretação. Aquilo que é verdadeiro é para o Espírito tão somente. (1)
(7) Então, não apenas a Bíblia se dirige à Alma, mas ela contém, e é, a história da Alma. E ela está escrita – como seria de se esperar de sua origem egípcia – em hieróglifos, ou em símbolos sagrados, o método usual para os egípcios, e deles adotado pelos hebreus; ou, também poderia ser, o
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método dos hebreus, o povo sagrado, desde o princípio, e que esse método tenha sido introduzido por eles no Egito.
Esse método de escrever consiste em descrever coisas espirituais e que pertencem à Alma, como figuras ou em termos derivados do mundo físico. De modo que o que se significa não é o animal, a planta, a pessoa, ou outro objeto desenhado ou escrito, mas sim uma outra coisa, a qual o tal objeto foi selecionada para representar, e da qual ele se torna o símbolo, o tipo ou a representação.
Tendo sido escrita dessa maneira, a Bíblia, ou pelo menos a sua parte espiritual e não meramente histórica, é um hieróglifo, denotando sob a forma de vários objetos físicos – tais como a narrativa de eventos aparentemente mundanos, e biografias aparentemente de pessoas reais, entre outras coisas do mundo natural – processos que são puramente espirituais e místicos.
A Bíblia, em síntese, pode ser definida como uma coleção de parábolas narrando a história da Alma, desde sua primeira descida na matéria, até o seu retorno final para sua condição original de puro espírito. E como a Alma passa pelo mesmo processo quer se trate de uma só ou de muitas – seja uma pessoa, uma igreja, uma raça, ou mesmo o universo como um todo – a narrativa que descreve, ou a parábola que representa a história de um, igualmente o faz para todos. E os mesmos termos, que são três em número, abrangem todo o processo.
Esses termos são Geração, Degeneração e Regeneração, e esses, portanto, sendo aplicados à Alma, são o tema da Bíblia, conforme agora mostraremos, e não a história física, ou qualquer pessoa ou povo seja lá qual for, muito embora sejam descritos em termos derivados de pessoas ou de um povo. E tomar tais pessoas, povos ou um outro símbolo por qualquer outra coisa que não sejam os seus apropriados papéis de símbolos, e ignorando o seu verdadeiro significado, e dar-lhes a honra devida apenas àquilo que de fato eles significam trata-se, em linguagem bíblica, de cometer idolatria.
Pois, ao assim proceder, nós materializamos mistérios espirituais, e conferimos à Forma a consideração devida apenas à Substância. Onde quer que compreendamos como coisas Sensoriais coisas que tão somente pertencem ao Espírito, encobrindo assim as verdadeiras feições da Divindade com representações falsas e espúrias, nós cometemos o que a Bíblia considera como o mais repugnante dos pecados, e nos tornamos idólatras e, ao mesmo tempo, nos identificamos com aquela escola materialista que está rapidamente se espalhando pelo mundo com o objetivo declarado de erradicar a própria ideia de Deus e de Alma.
(8) Isso porque “Idolatria é Materialismo, o pecado comum e original dos homens, o qual substitui o Espírito pela Aparência, a Substância pela Ilusão, e conduz tanto o Ser moral quanto o Ser intelectual ao
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erro, de modo que eles substituem o superior pelo inferior, e o elevado pelo superficial. É esse falso fruto que atrai os sentidos externos, a tentação da serpente no começo do mundo”; (1) e isso tanto para a raça quanto para cada indivíduo onde e quando quer que tenha vivido, pois todos estão sujeitos à sua atração.
(9) Devemos então saber, para a reta compreensão das Escrituras místicas, que em seu sentido esotérico, ou interior e real, elas não tratam de coisas materiais, mas de realidades espirituais; e que nem Adão é um homem real, porém antes denota a personalidade inferior ou força intelectual em todo ser humano; nem Eva uma mulher real, mas denota o elemento feminino em todo o ser humano, a saber, a Alma ou consciência moral; e ela é, portanto, chamada de a “Mãe dos que Vivem”, ou seja, dos que estão espiritualmente vivos – aqueles nos quais a Alma alcançou autoconsciência.
Tampouco o Éden é um lugar real, mas uma condição de inocência anterior a uma queda de uma altura alcançada. Nem é a Árvore da Vida no meio do Éden uma árvore real, porém Deus estabelecido no meio do Universo como sua vida. Do mesmo modo que não é o homem feito de imediato à imagem e semelhança de Deus, mas somente após longas eras de desenvolvimento, começando nas formas inferiores da vida vegetal, e seguindo sua elevação através de muitas formas, até que ele alcança a forma humana; e mesmo então ele não é feito à imagem de Deus, não é verdadeiramente homem no sentido bíblico e místico. Pois nesse sentido faz-se necessário algo mais do que o homem físico, mais do que o homem intelectual, mais até mesmo do que o homem moral, para tornar-se um homem.
Para ser feito à imagem e semelhança de Deus ele deve atingir sua maioridade espiritual, através do desenvolvimento da consciência de sua natureza espiritual. Ele deve ser alma tanto quanto corpo; Eva tanto quanto Adão; assim como no mundo físico, também no plano espiritual ele requer a mulher para lhe fazer um homem, e a mulher mística é a Alma. Antes do seu advento (da Alma), ele é o homem apenas materialístico e rudimentar, é homem apenas na forma, e é um animal em todos os outros aspectos.
Mas ela vem finalmente, manifestada como tão somente a Alma pode fazer, quando seu ser inferior está envolto em profundo sono, e ele acorda para descobrir-se plenamente homem, à imagem de Deus, macho e fêmea, no sentido que ele representa os dois aspectos, masculino e feminino da Deidade, o poder divino e o amor divino, e também os Sete Espíritos através dos quais Deus cria todas as coisas. Assim constituído ele é de fato Homem, pois ele é uma manifestação de Deus,
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por cujo espírito, operando dentro dele, ele tem sido criado. E criado desse modo tem sido e será todo o homem que jamais viveu ou viverá.
(10) Porém o processo inclui um ponto chamado de Queda. Entregando-se aos impulsos externos da natureza inferior, antes que ela seja suficientemente forte para resisti-los, Eva estende sua mão e apanha o fruto que, como ela é espiritual e ele é material – é Matéria – é proibido para ela. Em outras palavras, e despido de alegoria, a Alma, ou ser superior, cai sob o poder do ser inferior e perde a intuição do Espírito, e o homem, não mais sendo por ela sustentado, a segue em sua queda.
Assim, o ser inferior, com os seus apetites e os seus pensamentos, torna-se o único regente, e a sua prole é Caim, o assassino e até mesmo torturador de seus irmãos, humanos e animais. E quando Abel, que como ministro da Alma e de suas intuições representa o profeta, oferece a Deus as “primícias de seu rebanho” (Gênesis 4:4), ou seja, quando o “Cordeiro” de um coração puro e gentil faz sua aparição, ele é em seguida assassinado por Caim, o qual, como o escravo dos sentidos, ofertando os “produtos do solo” (Gênesis 4:3), ou da natureza inferior, representa o sacerdote. (1)
(11) Nesse sentido, então, Abel não promoveu nenhum derramamento de sangue e não foi agente da morte de criaturas inocentes, tanto para sacrifício quanto para alimento. Seu “Cordeiro” significava simplesmente os mais santos e elevados dons espirituais, “Cordeiro” que, rejeitado e assassinado desde o começo do mundo, é apresentado no Apocalipse como finalmente ocupando o trono de Deus, cercado de todos aqueles que, redimidos em razão de o terem seguido, têm o nome do Pai escrito em suas frontes.
Pois é ainda a Alma que, sob a representação da mulher, quando purificada da Matéria, torna-se a Noiva do Espírito, e Mãe dos que vivem eternamente; enquanto que é a Alma que persiste no mal que é denominada de “Mãe das Abominações”, e que compartilha da desgraça da “Babilônia”, ou “aquela grande cidade”, o mundo ou sistema de civilização no qual a Matéria é exaltada e posta no sagrado lugar de Deus e da Alma, e o corpo é feito como sendo tudo e por tudo.
(12) A mesma verdade espiritual reaparece muitas e muitas vezes nos livros sagrados, sob várias formas alegóricas. Sempre são a ternura de coração e a pureza de hábitos os acompanhantes da vida superior; sempre são o derramamento de sangue e o comer carnes os resultados de uma queda para um nível inferior. A estória do Dilúvio ilustra a mesma verdade, e à matança de animais acrescenta
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a bebedeira. Nessa parábola, o homem é representado, depois de um período de decadência até um extremo materialismo, como uma vez mais, sob uma enchente de intuição, recuperando aquelas alturas da perfeição – a plena consciência de sua natureza espiritual.
Mas tão logo ele desce do monte da purificação e regeneração, ele vai novamente para a indecência e o derramamento de sangue, de tal modo que a Deidade é representada como tendo desistido dele, o considerando perdido e sem esperanças, dizendo que não haveria mais utilidade em puni-lo, e dando-lhe relutante permissão para usar a carne como seu alimento. Pois tal é o óbvio e verdadeiro sentido da passagem tão confusamente traduzida no nono capítulo do Gênesis. E, contudo, constantemente encontramos uma permissão, que foi o resultado de uma queda, colocada como uma escusa para declinar de fazermos um esforço de recuperação!
Que tal recuperação não é vista na Bíblia como sendo impossível é mostrado pela escolha de um símbolo de esperança – o arco-íris com os seus sete raios. Pois esse é novamente o símbolo da Mulher ou Alma, a qual, quando restaurada na pureza, e divinamente iluminada, manifesta os Sete Espíritos de Deus. Essa é uma realização para a qual a Alma sempre guarda a potencialidade em seu seio, e em virtude disso um dia será novamente a produtora de homens “feitos à imagem de Deus”.
(13) A contenda, já referida, entre profeta e sacerdote, como sendo respectivamente ministros da Alma e dos sentidos, da vida pura e do derramamento de sangue, é levada adiante através de toda a Bíblia, até que ela culmina no assassinato pelos sacerdotes do maior dos profetas. Pois os profetas não faziam derramamento de sangue; e todas as narrativas que representam Moisés, Samuel, Elias, e outros profetas como estando engajados na matança de pessoas de seu povo ou de tribos vizinhas – narrativas que pelo seu horror aparente são de imediato obstáculos para os fiéis e uma oportunidade de zombaria para os descrentes – representam simplesmente os conflitos da Alma com as más tendências do homem que ela anima.
E se, além disso, tivessem os tradutores da Bíblia sido devidamente talhados para essa tarefa, primeiro, pela posse do necessário conhecimento de Hebraico; em segundo lugar, pela posse do necessário discernimento das coisas divinas; e em terceiro lugar, por estarem livres de inclinações prévias em favor de uma concepção sanguinária do caráter divino, eles teriam trazido para o inglês [N.T.: Língua do original.], os nomes das vítimas desses massacres, ao invés de mantê-los no original; e desse modo teríamos visto nessas narrativas apenas uma antecipação do método seguido nas obras O Progresso do Peregrino e Guerra Santa
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de Bunyan.
Quanto aos próprios escritores da Bíblia, podemos crer que, caso eles pudessem ter antevisto a que profundezas de estupidez (insensibilidade) um regime de carne e de estimulantes pode reduzir um povo de outro modo não carente de inteligência, depois de viver por dois mil anos com esse regime – a estupidez demonstrada por tomarmos suas parábolas como verdades literais – eles teriam renunciado de imediato ao seu método favorito, e falado diretamente.
(14) O método empregado por Moisés não era nenhum outro senão o método que foi acima descrito. Instruído em todos os Mistérios da religião dos egípcios, ele os ministrou como mistérios para o seu próprio povo, ensinando a seus iniciados o espírito dos hieróglifos celestes, e pedindo-lhes que quando celebrassem festivais para Deus, que carregassem em procissão, com músicas e danças, aqueles animais sagrados que fossem relacionados com a dada ocasião, em vista do seu significado interior. E desses animais ele especialmente designou machos de um ano, sem mancha ou defeito, para significar que é necessário acima de todas as coisas que o homem dedique ao Senhor seu intelecto e sua razão, e isso desde o começo e sem a menor reserva.
Os sacerdotes, então, foram idólatras, os quais, vindo depois de Moisés, e pondo sob a forma escrita aquelas coisas que pela palavra de sua boca havia comunicado a Israel, substituíram os verdadeiros significados das coisas pelos seus meros símbolos materiais, e derramaram sangue inocente nos puros altares do Senhor. (1)
(15) Os profetas desse modo, como já foi dito, não promoviam derramamento de sangue. Não trataram de coisas materiais, porém com significados espirituais. Seus cordeiros sem manchas, suas pombas brancas, seus bodes, seus carneiros, e outras criaturas sagradas, são signos e símbolos dos vários dons e graças que as pessoas místicas devem oferecer aos céus. Sem tais sacrifícios não há remissão do pecado.
Mas quando o sentido místico foi perdido, então a matança (carnificina) veio em consequência. Os profetas se extinguiram da face da terra, e os sacerdotes passaram a reger o povo. Então, quando a voz dos profetas novamente se levantou, eles foram obrigados a falar diretamente, e declararam abertamente que os sacrifícios para Deus não são a carne de touros ou o sangue de bodes, porém santos votos e sagradas ações de graças, que são suas contrapartes místicas. Pois, assim como Deus é um Espírito, assim também são espirituais os Seus sacrifícios. É apenas tolice e ignorância oferecer carne e bebida material para o puro Poder e o Ser essencial.
Em vão, mesmo para nós, os
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profetas têm falado, e em vão tem Cristo se manifestado. (1) Pois todo o tema principal do ensinamento de Cristo e a moral da vida de Cristo, por meio dos quais ele vindicou ao mesmo tempo a Lei e os Profetas, é que um homem não pode ser salvo por nenhum ato de outro, ou por qualquer processo que ocorra fora dele mesmo; que “ninguém pode por qualquer meio redimir seu irmão, nem pagar a Deus um resgate por ele (pagar o seu preço)” (Salmos 49:8); e que, portanto, nenhum tipo de oferenda queimada, ou de oferenda pelos pecados, nem qualquer sacrifício físico ou material seja lá qual for, pode salvar um homem de seus pecados e de suas consequências, mas tão somente um coração humilde e arrependido, e um espírito puro dentro do próprio homem, e uma vida de acordo com isso.
Se apenas uma vez pudermos ler a Bíblia com a visão não obscurecida pelo véu de sangue, e não distorcida pelo preconceito, então todo o seu mistério – o mistério de nossa queda e de nossa redenção – torna-se claro como o céu sem nuvens. Pois, então, podemos identificar como algo que ocorre em nossas próprias almas todo o processo, desde o começo até o fim, que a Bíblia, do Gênesis até o Apocalipse, apresenta sob a forma de símbolos e parábolas, precisamente como fez Nosso Senhor ele mesmo.
E, assim fazendo, nós chegamos a conhecer de forma absoluta, pela experiência individual de nossas próprias almas que o segredo e o método do Cristo não é nenhum outro do que aquele processo interior de purificação e regeneração, tão somente por meio do qual o espírito no homem retorna a sua condição original de pureza, tornando-o um homem novo, uno com Deus, que é puro Espírito.
É esse processo de transmutação, ou redenção do Espírito da Matéria, tanto na dimensão individual quanto na universal, que constitui o tema das Sagradas Escrituras, o objeto de todas as religiões verdadeiras, e a tarefa de todas as verdadeiras igrejas. E são os vários estágios desse processo que constituem respectivamente a Queda de Adão por meio da submissão da Eva dentro dele à serpente da Matéria; a descida de Israel, ou da Alma, até o Egito, ou o mundo e os sentidos; e o Êxodo ou fuga do mundo através da água da separação e consagração até o deserto, até a região erma da experiência beneficente; e a travessia do rio Jordão, ou rio da purificação, para tomar posse da terra prometida da perfeição.
Novamente, são esses vários estágios desse processo que estão representados na história do Evangelho do típico homem regenerado. Sejam eles chamados de água e espírito, ou de alma pura e a divina operação que nela ocorre, ou da Virgem Maria e o Espírito Santo, é desses dois dentro de cada homem que finalmente é redimido, que
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o homem novo, ou o homem regenerado, o Cristo Jesus – que sempre é o “único Filho gerado por Deus” (“Filho único de Deus”) (João 3:16, 18) – é produzido.
E é sempre pela crucificação e morte na cruz da renúncia daquele velho Adão, o ser inferior, e a ressurreição e ascensão para uma condição de perfeição verdadeira que a salvação é finalmente alcançada. E a razão pela qual todas essas verdades eternas na história da alma foram centralmente colocadas na vida do profeta de Nazaré é simplesmente porque, reconhecendo nele os sinais ou testemunho de sua realização de perfeição num grau nunca antes alcançado, e em sua história as adequadas correspondências simbólicas, o Espírito Divino, sob cuja inspiração os Evangelhos foram compostos, o selecionou como o ícone das possibilidades da humanidade em geral.
(16) Porém, mesmo rejeitando dessa maneira como sendo idólatra, como uma blasfêmia, e como perniciosa no mais alto grau à doutrina, conforme ela é comumente conhecida, da Redenção ou Reconciliação Vicária [N.T.: Aquela realizada por alguém em lugar de outro; no caso o sacrifício de Jesus Cristo para nos redimir do pecado, para nos reconciliar com Deus.], ainda vemos em Cristo Jesus o “único Filho gerado por Deus” (“Filho único de Deus”) (João 3:16, 18). E ainda nos apegamos a Seu sangue e a sua cruz como os únicos meios da salvação.
Mas é o Cristo Jesus dentro de nós, ou o homem que renasceu de alma e espírito puros, como o próprio Jesus declarou que todos devem nascer – exatamente do mesmo modo como se descreve que Ele nasceu – a quem buscamos para nos salvar. E os meios são Sua cruz de autossacrifício, renúncia, e pureza de vida; e a recepção em nós mesmos daquele “Sangue de Deus” que não é nenhum sangue meramente físico – com o qual as imperfeições morais não possuem nenhuma relação – mas que é a vida de Deus, o próprio Espírito puro, o qual é Deus, e o qual Deus está sempre derramando em abundância para o bem de Suas criaturas, dando a elas de sua própria vida e substância.
(17) Quão perniciosa é a doutrina da redenção (ou reconciliação) vicária, conforme ela é comumente aceita, é algo que pode ser visto pelas atuais condições do mundo: intelectualmente, moralmente e espiritualmente, não menos do que fisicamente. O homem sempre se constrói segundo a imagem de seu Deus, isto é, segundo a sua ideia de Deus. E acreditando em um Deus que é injusto, egoísta e cruel, o homem não pode ser senão injusto, egoísta e cruel.
É precisamente essa má representação do caráter divino, e essa perversão da verdadeira e da única possível doutrina da reconciliação ou redenção, em uma doutrina que faz a salvação do homem um processo externo a si mesmo, e dependente da ação de outro que não ele mesmo, que, por meio da falsificação do Cristianismo, provocou o seu fracasso. E, ao invés de um mundo ordenado por princípios de justiça, simpatia e
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pureza, nos legou um mundo de más ações, de egoísmo e de sensualismo.
De acordo com o verdadeiro Evangelho, conforme declarado pelos profetas, a substância da humanidade não é material e criada, mas sim espiritual e divina. E o homem se eleva além de sua natureza inferior até sua natureza superior ao subordinar os primeiros aos últimos, elevando-se assim totalmente ao superior, tornando-se com isso divino – pois entre Espírito e Matéria não há linha fronteiriça. Esse conhecimento era o tesouro sem preço do qual Israel, ao fugir ou libertar-se, “despojou os egípcios”. (Êxodo 12:36) Esse era o grande segredo de todos os sagrados mistérios desde o princípio.
Ao contrário desse, trata-se de um falso evangelho, aquele que tendo origem nos sacerdotes, e desafiando ao mesmo tempo o intelecto e a intuição, atribui a salvação a uma operação vicária, e, ao invés do sacrifício de nossa própria natureza inferior para a nossa natureza superior, e de nós mesmos para os demais, insiste no sacrifício de nossa natureza superior para a inferior, e dos outros para nós mesmos.
É dessa inversão da ordem divina que o hábito de comer carne e a vivissecção – aquela mais infernal de todas as práticas que sugiram do abismo sem fundo da natureza inferior do homem – são os diretos e inevitáveis resultados. E até que a ordem divina seja restaurada, tanto em ato quanto em pensamento, pela renúncia da doutrina do sacrifício vicário, conforme comumente sustentado, e pela consequente reabilitação do caráter de Deus, todos os nossos esforços de melhoramento devem ser em vão; nossa civilização será tão somente uma falsificação, um simulacro desse termo; e nossa moralidade e religião serão coisas das quais se pode dizer que estaríamos melhor sem elas.
(18) Em conclusão: aquilo que buscamos não é uma reforma de instituições meramente, ou a promoção de benefícios materiais meramente, mas sim uma radical renovação da própria Substância dos homens em todos os planos de suas naturezas, com vistas à realização daquilo que há tanto tempo foi prometido: “novos céus e nova terra onde habitará a Retidão (a Justiça)” (2 Pedro 3:13), e o advento daquele perfeito estado, a Nova Jerusalém, ou Cidade que tem Deus como sua luz, a luz que desce do céu da região celestial do próprio homem, aquele reino dos céus que está dentro dele mesmo, mas o qual jamais pode ser realizado por aqueles que persistem em ordenar suas vidas de modo a tornarem necessários o derramamento de sangue e a injustiça.
(19) “Ele te mostrou, ó homem, o que é bom; e o que o Senhor exige de ti: nada mais do que agir com justiça, gostar do amor, e caminhar humildemente com o teu Deus!” (Miquéias 6:8) “Eles
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não ferirão e nem destruirão em toda a minha montanha sagrada, disse o Senhor”. (Isaías 65:25)
(20) Se nos for perguntado, qual a fonte, e qual a autoridade para essa interpretação, responderemos que há apenas uma fonte e autoridade para a verdade, e essa é a Alma do próprio homem, e que para obter acesso a esse lugar, e conhecer a doutrina, é necessário fazer a Vontade do Pai, e viver a vida pura que é requerida.
Pois a Alma vê divinamente, e nunca esquece aquilo que uma vez aprendeu. E tudo o que ela conhece está a serviço daquele que para com ela tem os devidos cuidados e a cultiva. Dela advém, diretamente e sem mescla de adulteração humana, aquilo que recém foi dito. E não há nenhuma outra fonte ou método de revelação divina.
É verdade, como se supõe geralmente, que a revelação divina é pronunciada por uma voz vinda do céu. Mas o céu é o mais íntimo santuário do templo do próprio homem, e a voz é a de Deus lá falando. Somente onde o terreno, o qual é o corpo, é puro e é nutrido com pureza, de modo que nenhuma exalação nociva surja para obscurecer a atmosfera, é que homem e sua Alma podem entabular conversação direta.
Vivendo da maneira que o mundo vive hoje, ele não pode conhecer as potencialidades da humanidade. Daí segue que ele diviniza uma espécie mais adiantada, à custa do resto da raça, quando na verdade todos são divinos, se apenas os deixarem assim ser. E a revelação é, tanto quanto a razão, o atributo natural do homem. Que tão somente viva com pureza, e ele reverterá a Queda.
NOTAS DE RODAPÉ
(215:1) Vide a Iluminação de Anna Kingsford Concerning the Prophecy of the Immaculate Conception (Sobre a Profecia da Imaculada Conceição), em Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), Parte I, nº. 3.
(217:1) Vide a Iluminação de Anna Kingsford Concerning the Interpretation of the Mystical Scriptures (Sobre a Interpretação das Escrituras Místicas), em Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), Parte I, nº. 5.
(218:1) Vide o Preface to the Fifth Edition (Prefácio Biográfico), p. xxviii.
(220:1) Vide a Iluminação de Anna Kingsford Concerning the Interpretation of the Mystical Scriptures (Sobre a Interpretação das Escrituras Místicas), em Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), Parte I, nº. 5, pp. 20-21; e Preface (Prefácio), p. xxviii ante.
(221:1) Vide a Iluminação de Anna Kingsford Concerning the Interpretation of the Mystical Scriptures (Sobre a Interpretação das Escrituras Místicas), em Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), Parte I, nº. 5, pp. 18-19.”