Em Memória de Anna Kingsford

Informações: Livreto contendo o texto completo, com algumas adições pelo autor, de uma palestra ministrada para a Sociedade Vegetariana de Leeds (Inglaterra), em 15 de setembro de 1946, em comemoração ao centenário de nascimento de Anna Kingsford. Texto publicado no Site Anna Kingsford. Segue o texto completo, em português:

“EM MEMÓRIA DE ANNA KINGSFORD (1846-1888)”

Samuel Hopgood Hart

“Tenho falado aos profetas, e tenho multiplicado visões.” (Oséias 12:10)

A finada Madame Isabelle de Steiger, falando daquelas que ela considerava como as “três maiores mulheres de sua época” – com cada uma das quais ela afirmava ter íntima amizade e conhecimento – me disse: “Mary Anne Atwood era a maior erudita; Helena Blavatsky era a maior ocultista; e Anna Kingsford (cujo centenário de nascimento agora comemoramos) era a mais iluminada (iluminada de seu interior)”.

Acredito que esse julgamento seja correto. A Luz do Espírito brilhou através de Anna Kingsford. Edward Maitland, referindo-se ao seu primeiro encontro com Anna Kingsford, fala de “todo o seu ser” como estando “radiante com uma luz espiritual que parecia fluir de uma luminosa fonte interior”.

Anna Bonus nasceu no dia 16 de setembro de 1846, em Maryland Point, Stratford, em Essex; filha de John Bonus, e a mais jovem de doze filhos. Ela herdou de seu pai, juntamente com uma grande capacidade para trabalhar, uma constituição física tão frágil que quando nasceu ela foi envolvida em uma coberta e deixada de lado, pois parecia estar morta. Enquanto que de sua mãe ela herdou uma vitalidade que a dotava de grande resistência e também uma força de vontade que a capacitava a dominar as doenças, as debilidades físicas e os sofrimentos que a vida iria lhe trazer.

Mas, além disso, ao longo de sua vida, ela manifestou características que não poderiam ser creditadas à hereditariedade física, pois eram características espirituais. Como nos diz Wordsworth (Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood):

“Nosso nascimento é apenas um sono e um esquecimento:
A alma que nasce conosco, a Estrela de nossa vida,
Teve em algum outro lugar o seu ocaso,
E vem de muito longe:
Não em completo esquecimento,
E tampouco em completa nudez,
Mas trilhando nuvens de glória nós viemos

De Deus, que é o nosso lar.”

Esse era o ensinamento de Anna Kingsford, que disse: “A alma passa de uma forma para outra forma; e são múltiplas as mansões de sua peregrinação.” A verdade a esse respeito se tornará cada vez mais clara à medida que prosseguirmos. Anna Kingsford nasceu com uma missão.

Nos dias de sua infância ela costumava dizer que era “da família das fadas e não dos humanos (…) e que apenas por adoção ela era filha de seus pais, sendo que o seu verdadeiro lar era no país das fadas (…). Ela podia até mesmo se lembrar, acreditava ela, de sua última entrevista com a rainha daquele belo país, a quem ela rogou por permissão para visitar a Terra, e de quem recebeu solenes avisos acerca do sofrimento e do trabalho penoso que ela teria que suportar ao assumir um corpo humano (…). Mas ela insistiu em vir, sendo impelida por uma impressão irresistível de ter um grande e necessário trabalho, que seria tanto em seu próprio benefício quanto dos demais e que apenas ela poderia realizar.”

Mais adiante em sua vida ela costumava afirmar que “havia retornado para a Terra com o objetivo de realizar uma dupla redenção, a da raça e a dela mesma”.

A faculdade da vidência se manifestou desde uma tenra idade. Mas ela logo aprendeu a mantê-la em segredo, porque isso implicava em consultas com o médico da família, com resultados ao mesmo tempo desagradáveis e injuriosos para ela.

Ela tinha talento para música, canto, desenho e pintura; mas, mais do que tudo, ela era uma poetisa. Muitas coisas interessantes relacionadas com sua infância e com sua adolescência estão relatadas em sua biografia – The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), de Edward Maitland – a qual está escrita não apenas como a história de uma pessoa, mas de uma alma.

Em sua juventude o seu grande recurso foi escrever, e foi principalmente em versos que ela buscou expressão para suas idéias. A qualidade de seus poemas, enquanto ainda apenas uma criança, era tamanha que lhe conquistou espaço em várias revistas. Seu primeiro livro – Beatrice: a Tale of the Early Christians (Beatriz: um Conto dos Primeiros Cristãos) – publicado em 1863, foi escrito quanto tinha treze anos. A respeito dessa obra ela disse: “Tudo me veio como que pronto, e tive apenas que escrever”. Na dobra da capa de uma cópia desse livro, a qual tenho comigo, estão escritas as seguintes palavras:

“Receba-o Oh Senhor
E permita que seja,
Como algo que fiz para Vós!

Annie Bonus.”

Alguns dos seus poemas foram publicados (em 1866) em um pequeno livro com o título de River Reeds (Juncos do Rio), sendo que tudo ali foi escrito antes que completasse dezessete anos, e muitos deles quando ela era apenas uma criança de dez ou onze anos.

Na escola, a sua curiosidade sobre assuntos religiosos foi motivo de humilhação e resultou em severa imposição de penalidades; no entanto, o primeiro prêmio de composição em inglês sempre com ela ficava.

Ao deixar a escola, ela se dedicou a escrever. Durante esse período escreveu suas Flower Stories (Estórias de Flores), as quais, em 1875, juntamente com outras estórias, foram publicadas com o título de Rosamunda the Princess (A Princesa Rosamunda). Outras de suas estórias foram incluídas na obra Dreams and Dream Stories (Sonhos e Estórias de Sonhos), publicada após sua morte. Muitas delas foram produtos do período do sono, até mesmo em seus mínimos detalhes.

No último dia do ano de 1867 ela se casou com seu primo Algernon Godfrey Kingsford, que então estava no serviço público. Mais tarde ele foi ordenado na Igreja Anglicana, e depois se tornou vigário de Atcham, perto de Shrewsbury. Ela acompanhou seu marido em seus estudos teológicos, e adquiriu uma sólida formação na teologia anglicana.

Como estava cheia de ideias, que tomavam conta de sua mente, quanto a um trabalho que lhe estava reservado no futuro, ela colocou como uma condição para seu matrimônio que ele não se tornasse um obstáculo a respeito de qualquer carreira que ela pudesse seguir – e assim continuou a viver com a sensação de que algum grande trabalho seria por ela realizado.

Seus estudos teológicos não conseguiram modificar a “aversão que ela sentia ao sistema religioso no qual havia sido educada, devido à falta de relação com suas próprias necessidades espirituais, intelectuais ou emocionais”.

Devido a uma associação com um pequeno grupo de amigos católicos ela obteve algum conhecimento dos ensinamentos da igreja desses amigos, com os quais ela sentiu ter simpatia.

Em 1870, ela ingressou na Igreja Católica Romana, após ter recebido três visitas noturnas de “uma aparição que dizia ser Santa Maria Madalena”, que a convidou para ingressar na Associação Romana “como um passo necessário para o trabalho que lhe estava reservado no futuro, cuja natureza lhe seria comunicada em seu devido tempo”. Assim, ao seu conhecimento da teologia anglicana, ela agora adicionava o da doutrina católica.

Nenhuma questão havia ainda surgido em sua mente com relação às duas apresentações do Cristianismo: a sacerdotal e a mística. Ela aceitou a doutrina católica como sendo contrária à sectária [NT: A palavra “católica” significa universal], e não a doutrina sacerdotal como contrária à espiritual.

Nessa época, ela não compreendia o significado espiritual dos dogmas da Igreja Católica. Anos mais tarde, ela disse: “Meu Espírito lutou dentro de mim para tornar-me uma católica sem que eu soubesse a razão”. Não foi senão em 1875-6 que ela começou “por meio da Luz Interior” a compreender a razão de ter sido conduzida a dar esse passo. Foi então que se revelou para sua alma aquele sistema divino de ensinamento, o qual está apresentado nas páginas de The Perfect Way (O Caminho Perfeito), de The Credo of Christendom (O Credo do Cristianismo) e de outros de seus escritos: um ensinamento que demonstra que “Tudo que é verdadeiro é espiritual”, e que “Nenhum dogma da Igreja é verdadeiro que não seja espiritual”. A ela foi dito: “Se [um dogma] for verdadeiro e, no entanto, lhe parecer ter um significado material, saiba que você ainda não o esclareceu. Trata-se de um mistério: busque sua interpretação. Aquilo que é verdadeiro, o é tão somente para o espírito”.

Por um tempo ela teve uma participação ativa no movimento pelos direitos das mulheres, e tornou-se a proprietária e editora do jornal The Lady’s Own Paper (O Jornal da Própria Mulher). Em sua opinião “Homens e Mulheres estão em uma igualdade. Nenhum dos dois está em primeiro lugar”. Era o “princípio da mulher no homem” (a alma e suas intuições), que ela defendia.

Como editora desse periódico ela tomou consciência da vivissecção e, dessa época em diante, a supressão desse crime contra a humanidade tornou-se um dos principais objetivos de sua vida, e ela decidiu estudar medicina com o intuito de se qualificar para a luta e o debate que a aguardavam. Ela considerava a vivissecção como “a mais abominável das práticas, tanto em relação a sua natureza, quanto a seus princípios”.

Ela também foi influenciada pela questão do regime alimentar. Seguindo o conselho de seu irmão mais velho (John Bonus) ela já havia deixado de comer carnes “com tamanhos benefícios para ela mesma, física e mentalmente, que a levaram a ver nessa prática o único meio efetivo para a redenção do mundo, seja em relação aos próprios homens ou aos animais”. O homem, sendo carnívoro e se sustentando por meio da matança e da tortura, não era para ela de modo algum homem, em qualquer sentido verdadeiro do termo.

Na primavera de 1873 ela teve uma experiência marcante. Ela já havia começado os estudos de medicina, quando recebeu de um estranho uma carta, assinada por “Anna Wilkes”, dizendo que essa que lhe escrevia tinha lido no seu jornal The Lady’s Own Paper (O Jornal da Própria Mulher), com profunda admiração, uma de suas estórias – In My Lady’s Chamber (Em Meu Quarto de Mulher) – e que depois de ter lido “havia recebido uma mensagem para ela do Espírito Santo, a qual deveria ser entregue pessoalmente. Pergunto se a Sra. Kingsford me receberia, e quando?”

Um encontro foi agendado e, no encontro, a visitante afirmou que “ela havia recebido uma clara mensagem do Espírito Santo, e que tinha sido tão fortemente impressionada no sentido de vir e entregá-la pessoalmente que não pôde evitar”. A sua mensagem era no sentido de que por cinco anos Anna Kingsford deveria permanecer em retiro, continuando os estudos nos quais então estava engajada, fossem eles quais fossem, bem como no modo de vida no qual havia ingressado, não permitindo que nada ou qualquer pessoa a afastasse dos mesmos. E que, depois disso, o Espírito Santo a levaria a sair de seu isolamento “para ensinar e pregar, e que um grande trabalho lhe seria dado para realizar”.

Uns poucos meses depois, ela viu na revista Examiner uma nota sobre uma obra intitulada By-and-By (Dentro em Breve), de Edward Maitland – que até então era um desconhecido – lendo a qual ela se sentiu tão em simpatia com o escritor que lhe escreveu propondo um intercâmbio de ideias. Seguiu-se uma troca de correspondências e em uma das cartas, tendo referido ao fato de que era um membro da Igreja Católica Romana, ela disse: “mas por convicção eu sou antes uma panteísta do que qualquer outra coisa, e meu modo de vida é o de quem se alimenta apenas dos frutos da terra. Em outras palavras, tenho horror à carne como alimento, e pertenço à Sociedade Vegetariana. No momento, estou estudando medicina”.

Antes do final do ano ela havia passado no exame preliminar da escola de farmácia, e estava planejando, em breve, ir para Paris com o propósito de lá ser admitida na Faculdade de Medicina – uma vez que as autoridades em Londres haviam proibido o ingresso de mulheres nas suas faculdades de medicina.

Em janeiro do ano seguinte (1874), ela encontrou Edward Maitland pela primeira vez. Foi em Londres e apenas por um breve momento, e durante uma única tarde. Ao descrever a impressão que ela lhe causou, ele disse: “inicialmente ela parecia antes um ser mais do mundo das fadas do que humana, e mais uma criança do que uma mulher – pois ainda que tivesse vinte e sete anos ela mal parecia ter dezessete”.

Tão imediato foi o reconhecimento mútuo que não houve barreira de estranhamento a ser vencida. “A Justiça nas questões das relações entre os gêneros feminino e masculino, bem como entre os humanos e os animais, estas eram suas metas principais. Pois toda injustiça era crueldade, e crueldade era, para ela, por excelência, o pecado imperdoável”. A justiça era o princípio predominante de sua natureza.

Como resultado desse encontro veio um convite para Maitland visitar a residência paroquial de Shropshire na primeira oportunidade que surgisse. O convite para a visita – que durou aproximadamente duas semanas – foi aceito no mês seguinte e se mostrou um ponto crucial em suas vidas. Edward Maitland não teve dúvidas de que essa associação surgiu para o cumprimento de suas respectivas missões – pois ele também era um homem consciente de que tinha uma missão na vida e que ainda tinha que descobri-la.

Eles viam a verdade da mesma forma. As barbaridades perpetradas nos laboratórios de vivissecção, das quais ele tomou conhecimento pela primeira vez, o motivaram a juntar-se a ela na planejada cruzada contra a vivissecção. “Vivissecção significava a demonização da raça” e, compreendendo que os animais não se libertariam das torturas dos vivissectores pelas mãos dos que se alimentam deles, ele decidiu imediatamente se tornar vegetariano.

A maior parte do tempo do seu curso de medicina teve de ser passado em Paris, e sua recusa em permitir que seu preceptor fizesse experimentos em animais vivos durante as lições para ela, o levou a se demitir. Ela então tentou dispensar as aulas particulares, passando a assistir as aulas oficiais proferidas nas escolas de medicina, mas essas logo tiveram que ser interrompidas, pois os laboratórios eram tão próximos às salas de aula que os gritos dos animais sob tortura podiam ser claramente ouvidos, o que lhe era tão penoso que a levou a desistir de ir a essas aulas e tentar novamente recorrer às aulas particulares. Mas sua persistente recusa em permitir que os professores fizessem vivissecção nas aulas para ela continuou a sujeitá-la não só a constantes altercações com eles, mas também a uma constante troca de professores.

Durante toda a sua graduação ela jamais hesitou em sua recusa de permitir experimentos em animais vivos em suas aulas. Em um artigo que ela discorre sobre a vivissecção nas escolas de medicina de Paris, ela escreveu:

“Logo após o meu ingresso como aluna na Faculdade de Paris, quando ainda não conhecia bem os horrores do método da vivissecção, estava certa manhã estudando sozinha no Museu de História Natural, quando de repente fui perturbada por uma explosão de gritos horrendos, de uma natureza mais dolorosa do que palavras podem descrever, vindos de algum cômodo, do outro lado do edifício.
“Chamei o porteiro responsável pelo Museu e perguntei o que isso significava. Ele respondeu com um sorriso malicioso: “são apenas os cachorros sob vivissecção no laboratório de M. Béclard”. Eu expressei o meu horror, e ele retrucou com surpresa e deboche – pois ele jamais havia ouvido um estudante falar da vivissecção nesses termos – ‘O que você quer? É em nome da ciência’. Ele se retirou e me sentei sozinha e escutei. Por mais que eu tivesse ouvido e falado, e até mesmo escrito antes daquela ocasião sobre a vivissecção, foi só então que a presenciei de fato pela primeira vez, e fui tomada por uma onda de angústia mental tão extrema que meu coração se regelou e quase parou diante do sofrimento.

“Não era tristeza, nem mera indignação o que eu senti, era algo que mais se aproximava do desespero. Era como se de repente todos os laboratórios de tortura em toda a cristandade estivessem abertos na minha frente, com suas múltiplas e indescritíveis agonias expostas, e que o terrível futuro que uma ciência ateísta estava por toda a parte gerando para o mundo se erguesse e me encarasse de frente.

“E lá, naquela ocasião e local, enterrando o rosto em minhas mãos, com lágrimas de agonia, rezei por força e coragem para trabalhar efetivamente para a abolição de um erro tão vil, e para fazer ao menos o que um coração e uma voz pode para erradicar da terra essa amaldiçoada tortura”.

Ela também escreveu:

“Dois caminhos se estendem ante os homens – o caminho do bem e o caminho do mal – e o homem é livre para escolher entre eles. Os homens de Ciência devem escolher, assim como os comerciantes, escritores ou artistas. A perspectiva do sucesso pode seduzir aquele que entra no caminho do mal, mas isso é o glamour de uma sutil armadilha, e que cedo ou tarde acabará em catástrofe; pois não foi nenhum princípio do mal que construiu o universo. Um método que é moralmente errado não pode ser cientificamente correto. O teste da consciência é o teste da validade”.

No tocante à questão da dieta, a seguinte experiência mais do que confirmou para ela a sua defesa de um regime vegetariano. Relatando uma experiência nos primeiros anos de seu curso, ela escreveu:

“Ontem no hospital – no consultório cirúrgico de La Pitié – havia um homem com o perônio quebrado, que veio para uma consulta.
“Descreva-me o acidente que provocou isso”, eu disse.
“Eu escorreguei, minha perna deslizou e eu caí.”
“Como que você escorregou?”
“O chão estava banhado de sangue, e eu escorreguei no sangue.”
“Sangue”, eu exclamei. “Que sangue?”
“Senhora, eu trabalho num matadouro, é minha profissão. Eu estava recém matando e o matadouro estava coberto de sangue.”

“Oh, então o meu coração se endureceu. Olhei para o rosto do homem. Era do tipo bem baixo, sobrancelhas profundas, uma boca larga e grosseira, uma pele avermelhada – ‘selvagem’ estava estampado em cada traço de sua face. O mundo me revolta. Meu negócio não é aqui. Toda a terra está cheia de violência e de habitações cruéis.”

Em 1880, tendo passado todas as provas de conclusão de curso, restou apenas a aprovação de uma tese que ela deveria escrever antes que pudesse obter o diploma. Nessa tese ela fez uma exposição dos princípios em nome dos quais ela havia buscado se graduar em medicina, a intitulando: De L’Alimentation Végétale chez L’Homme (Da Alimentação Vegetariana para o Homem).

Edward Maitland disse: “Do custo em trabalho e sofrimento, físico e mental, com o qual esse privilégio foi obtido, sua biografia dá apenas uma pálida indicação”. Uma edição em inglês de sua tese foi posteriormente publicada com o título de The Perfect Way in Diet (O Caminho Perfeito na Dieta), que imediatamente foi considerado como um dos textos mais importantes sobre o assunto, e foi traduzido para várias línguas.

Durante todo o período de seu curso de medicina ela experimentou grandes desenvolvimentos espirituais, e recebeu muitas iluminações, cujos registros foram preservados por Edward Maitland e incluídos no livro Clothed with the Sun: the Book of the Illuminations of Anna Kingsford (Vestida com o Sol: o Livro das Iluminações de Anna Kingsford) – que foi publicado após sua morte.

A realidade celestial tinha sido aberta para eles, e se perguntassem – “o que é a Iluminação Divina?” É “a Luz da Sabedoria, por meio da qual o homem percebe os segredos celestiais, cuja Luz é o Espírito de Deus dentro do homem, mostrando a ele as coisas de Deus”.

“É para os justos, que se assemelham ao divino, que surge a Luz em meio às trevas”. O espírito dentro do homem é Divino. A verdade é revelada a partir do interior, e tudo o que Anna Kingsford escreveu veio do interior, e não do exterior. Ela sabia. A verdade não lhe foi apenas dita. Ela não foi apenas usada. Quando estava sob Iluminação era seu ser espiritual que via, ouvia e falava. “Ela era uma alma desvelada resplandecendo através de uma forma material (…). Ela absorvia direto do Infinito”.

Ainda que “aprisionada em um corpo”, como ela estava, tudo o que ela tocava ela iluminava com uma radiância que brilhava por meio de sua alma: – Ela era uma profetisa. Uma de suas Iluminações contém este magnificente elogio ao profeta. Ela escreveu:

“Ninguém é profeta, a não ser aquele que sabe: o instrutor do povo é um homem de muitas vidas.
Conhecimento inato e percepção das coisas, essas são as fontes da revelação: a alma do homem o instrui, já tendo aprendido pela experiência.
Intuição é experiência inata; aquilo que a alma sabe dos idos e antigos anos.
E a Iluminação é a Luz da Sabedoria, pela qual o homem percebe os segredos celestiais.
Essa Luz é o Espírito de Deus dentro do homem, mostrando-lhe as coisas de Deus.
Não pense que lhe digo algo que ainda não saiba; tudo vem de dentro: o Espírito que informa é o Espírito de Deus no profeta.
(…) o conhecimento do profeta o instrui.
Embora fale em êxtase, ele não profere nada que não saiba.
Vós que sois um profeta tivestes muitas vidas; sim, ensinastes muitas nações, e estivestes diante de reis.
E Deus vos instruiu nos anos que se passaram; e nas pretéritas eras da Terra.
Por meio da prece, do jejum, da meditação, e por meio da busca dolorosa vós alcançastes aquilo que conheceis.
Não há conhecimento que não seja obtido pelo labor: não há intuição que não seja fruto da experiência.
Estivestes pelas colinas do Oriente: e segui vossos passos no deserto. Estivestes adorando ao amanhecer: e observei vossas noites de vigília nas cavernas das montanhas.
Vós conquistastes com paciência, ó profeta! Deus vos revelou a verdade desde o interior.”

[Clothed With the Sun (Vestida com o Sol), pp. 4-6]

Anna Kingsford não estava equivocada quanto à natureza de seu elevado ofício. Madame de Steiger (de quem já se fez referência) em seu Memmorabilia (pp. 171-3) diz que em um jantar dado em homenagem ao estudioso judeu Dr. Ginsburg, no qual ela e Anna Kingsford estavam presentes, ele – que ainda não a conhecia – cumprimentou-a da seguinte forma: – “Senhora Kingsford, ouvi falar muito de você. Me disseram que você leu o meu livro (sobre a Kabalah) e que você é uma profetisa.” “Sim, Dr. Ginsburg”, ela respondeu, “eu li o seu livro. Esse assunto me interessa muito, e é verdade que sou uma profetisa”. Dr. Ginsburg “suspirou” e, com a intenção de usá-la para entreter a si mesmo e a seus convidados disse: “você quer dizer que você pode ser algum tipo de profeta; mas eu me refiro a um real profeta, um grande profeta, digamos, como Isaías.” Ela meramente respondeu, muito tranquila: “Sou uma profetisa, e maior do que Isaías” – contendo sua emoção ante a afronta ela não disse mais nada. E Madame de Steiger acrescentou: “Ela está sendo honesta quanto ao que disse”.

O próximo grande evento de sua vida foi logo após a outorga de seu diploma. Agora ela estava livre para expor abertamente seus pontos de vista sem o medo de ofender as autoridades médicas e possivelmente, com isso, prejudicar a outorga de seu diploma de medicina. Chegara a hora para ela e Edward Maitland iniciarem sua missão espiritual.

Eles iniciaram essa tarefa ao dar, para uma seleta plateia, uma série de palestras que continham seus ensinamentos, os quais tinham como objetivo “a derrubada do sistema materialista do mundo tanto na religião como na ciência”.

Tais palestras foram proferidas em 1881 e representaram o principal resultado de sua colaboração. Estas foram depois publicadas sob o titulo de The Perfect Way; or The Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou a Descoberta de Cristo), e nelas apresentaram “os conceitos intelectuais que fundamentam o Cristianismo, demonstrando que ele é uma síntese simbólica das verdades fundamentais contidas em todas as religiões”.

O falecido Rev. G.J.R. Ouseley – que foi padre da Igreja Católica Apostólica Romana – disse a respeito desse livro que ele era “a melhor e mais brilhante de todas as revelações que foram dadas ao mundo”.

Ao lê-lo pela primeira vez eu me senti “como alguém que havia encontrado precioso tesouro”. Por meio de seus ensinamentos me tornei um vegetariano; e o livro me retirou do “terrível poço” do materialismo – que não passa de “pântano e lama” – e pus meus pés sobre a “rocha” do espírito. O vegetarianismo é apenas um dos muitos “fios de ouro” que levam ao “Portal do Céu” que o ensinamento desse livro oferece a todos que buscam a Verdade. Nas palavras de Blake:

“Te dou a ponta de um fio de ouro;
Basta que o enrole em um novelo,
Ele o conduzirá ao Portal do Céu,

Construído na muralha de Jerusalém”.

No que se refere aos “sacrifícios de sangue” mencionados nas Escrituras; e a necessidade da reforma alimentar em geral, temos, a seguir, alguns dos ensinamentos recebidos por Anna Kingsford quando sob Iluminação: –

“Eram, então, os Profetas, derramadores de sangue? Deus não permite; eles não tratam de coisas materiais, mas de significados espirituais. Seus Cordeiros sem Manchas, seus Pombos brancos, suas Cabras, seus Carneiros e outros Animais sagrados, são os muitos sinais e símbolos das diversas oferendas e agradecimentos que um povo místico deve oferecer ao Céu. Sem tais Sacrifícios, não há Remissão dos Pecados. Mas quando o sentido místico foi perdido, então veio a matança, os Profetas abandonaram a Terra, e os Padres passaram a dominar o povo.

“Então, quando outra vez a Voz dos Profetas se ergueu, eles se viram forçados a falar abertamente, e declararam, em uma linguagem estranha aos seus métodos, que os Sacrifícios a Deus não são a Carne dos Touros ou o Sangue das Cabras, mas sim os sagrados votos e ações de graça, que são os seus equivalentes místicos.

“Do mesmo modo que Deus é um espírito, também são espirituais os Seus sacrifícios. Que tolice, que ignorância oferecer carne e bebida materiais ao puro Poder e Ser essencial!” [Clothed With the Sun]


Tradução: Daniel M. Alves

Revisão e edição: Arnaldo Sisson Filho

[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]