“Uma visão de mundo que contemple uma Unidade fundamental em relação à natureza profunda das consciências dos seres humanos e, ao mesmo tempo, uma grande Diversidade de capacidades, certamente não é algo novo.
Milênios atrás essa mesma noção geral, acerca da importância decisiva de uma clara percepção, bem como de um justo equacionamento e de uma harmonização das diferenças entre os seres humanos, foi afirmada pelo grande clássico da filosofia tradicional chinesa, o I Ching, que é considerado um dos livros mais antigos que se tenha conhecimento. Lemos ali:
Essa visão está presente em praticamente todas as grandes tradições religiosas, embora mesmo dentro dessas tradições ela tenha sido corrompida de inúmeras maneiras, a exemplo do sistema de castas do Hinduísmo, ou da ordem estratificada do feudalismo relacionada com o Cristianismo, entre tantos outros exemplos.
De fato, essa degeneração ocorrida no campo das religiões trata-se de um aspecto importante para a compreensão das origens das falhas de percepção que hoje são dominantes no pensamento mundial (incluindo aqui a Ciência e a Filosofia), acerca da natureza e das capacidades dos seres humanos. Porém, uma análise dessas questões nos levaria muito além dos limites a que nos propusemos nessa obra.
No entanto, o fato de não analisarmos nessa obra os processos e as consequências da degeneração das interpretações religiosas não quer dizer que não possamos examinar, sinteticamente, os equívocos das filosofias sociais dominantes na atualidade, que são as teses centrais do Liberalismo e do Marxismo.
Apesar dessa grande degeneração ocorrida no campo do pensamento religioso, um conhecimento fundamental acerca da Unidade e da Diversidade humanas está presente, como dissemos acima, nas grandes tradições religiosas, muito embora hoje ele esteja, quase sempre, encoberto por grossas camadas de superstição e de idolatria.
Tendo em mente esse alerta, vejamos algumas citações extraídas dos textos de várias tradições religiosas, com o propósito de evidenciarmos, por meio do método comparativo, a existência milenar desse conhecimento dos dois aspectos fundamentais acima referidos – a Unidade e a Diversidade. Pois, como está escrito num dos Vedas (da tradição hinduísta): “A verdade é uma só, mas os sábios falam dela sob muitos nomes”.
Estas citações são meros exemplos, entre uma quantidade muito grande de outras passagens que podem ser encontradas nessas tradições religiosas. Elas foram agrupadas dentro dos aspectos “Unidade” e “Diversidade” para facilitar a visualização desses dois aspectos fundamentais. A sequência das religiões segue tão somente à ordem alfabética.
Budismo
Diversidade:
“Poucos são os homens que chegam à outra margem do rio; a maioria deles se contenta em permanecer na mesma margem, subindo-a e descendo-a.” (Dhammapada, 49a)
“O néscio pode associar-se a um sábio toda a sua vida, mas percebe tão pouco da verdade como a colher do gosto da sopa. O homem inteligente pode associar-se a um sábio por um minuto, e perceber tanto da verdade quanto o paladar do sabor da sopa.” (Dhammapada, 64-65)
“Contempla este mundo, adornado como uma carruagem real! Os néscios estão encarapitados nele, mas os sábios não estão presos a ele.” (Dhammapada, 171)
“Que grandes, pequenos e médios façam todos o melhor ao seu alcance.” (Játacas, 121)
Confucionismo
Unidade:
Diversidade:
“O homem superior pensa em seu caráter; o homem inferior pensa em sua posição. O homem superior busca o que é correto; o inferior, o que é lucrativo.” (Analectos, IV)
Unidade:
“Deus é amor; aquele que permanece no amor permanece em Deus, e nele permanece Deus.” (João, 4:16)
“Mente quem diz “amo a Deus”, mas odeia seu irmão. Quem ama a Deus ama também a seu irmão”. (João, 4:20-21)
“De um só sangue Ele fez todas as gerações humanas.” (Atos, 17:26)
“Em verdade vos digo que o quanto fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” (Mateus, 25:40)
Diversidade:
“Porque assim é (o Reino dos Céus) como um homem que, ao ausentar-se para longe, chamou seus servos e lhes entregou os seus bens. E deu a um cinco talentos, e a outro dois, e a outro deu um, a cada um segundo a sua capacidade, e partiu logo.” (Parábola dos Talentos, Mateus, 25:14-15)
“Eis que o semeador saiu a semear. Quando semeava, uma parte das sementes caiu à beira do caminho, e vieram as aves e a comeram. Outra parte caiu nos lugares pedregosos, onde não havia muita terra; logo nasceu, porque a terra não era profunda, e tendo saído o sol, queimou-se; e porque não tinha raízes, secou-se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra caiu na terra boa e deu frutos, havendo grãos que rendiam cem por um, outros sessenta, outros trinta por um. O que tem ouvidos para ouvir, ouça.” (Parábola do Semeador, Mateus, 13:3-8)
Unidade:
“O verdadeiro conhecimento é ver uma vida imutável em todos os seres, e ver nos seres separados o Uno Inseparável.” (Bhagavad-Gita, XVIII)
“Amar todas as coisas, grandes ou pequenas, tal como Deus as ama, eis a verdadeira religião.” (Hitopadexa Upanishade)
Diversidade:
Unidade:
Diversidade:
“Fala aos homens segundo suas capacidades mentais; se lhes falares de coisas que não podem compreender, poderão incidir em erro.” (Hadith ou Máximas de Maomé, 143)
Unidade:
“Não temos todos nós um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus?” (Malaquias, 2:10)
“Toda sabedoria vem de Deus, e com Ele está e esteve sempre, antes de todos os séculos.” (Eclesiástico, 1:1)
Diversidade:
“Quando os justos governam, o povo se regozija; mas quando no poder estão os perversos, o povo geme.” (Provérbios, 29:2)
“Entre os homens se distinguem quatro tipos de caráter. O neutro, que é daquele que diz: – ‘o que é meu é meu, e o que é teu é teu’. O rústico, que é daquele que diz: – ‘o que é meu é teu, e o que é teu é meu’. O santo, que é daquele que diz: – ‘o que é meu é teu, e o que é teu é teu’. E o perverso, que é daquele que diz: – ‘o que é meu é meu, e o que é teu é meu’.” (Máximas dos Pais, 5:13)
Unidade:
“Há uma coisa que existia antes do começo da terra e do céu, e o seu nome é o Tao [o grande princípio de ordem universal, sintetizador e harmonizador do “Yin” e do “Yang”]. O homem adapta-se à terra; a terra adapta-se ao firmamento; o firmamento adapta-se ao Tao; o Tao adapta-se à sua própria natureza.” (Tao-Te-King, 25)
“O Tao é inominável e oculto, e contudo todas as coisas se realizam nele.” (Tao-Te-King, 41)
Diversidade:
“É fácil seguir o grande Tao, mas o povo vagueia pelas veredas.” (Tao-Te-King, 53)
Unidade:
Diversidade:
“Para todas as coisas, grandes ou pequenas, cumpre descobrir o homem certo, e elas serão bem administradas.” (Nihongi ou Crônicas do Japão, cap. 22)” (Texto com coletânea de citações retirado da obra O Que Há de Errado com a Politica? Fundamentos para uma Verdadeira Democracia, Capítulo 2: Unidade Subjacente à Humanidade, de Arnaldo Sisson Filho)