Teosofia e Fraternidade Universal (4): O Lema da Soc. Teosófica

O LEMA DA SOCIEDADE TEOSÓFICA
(Capítulo IV da obra “Teosofia e Fraternidade Universal“)

29 – “O princípio que dá a vida mora em nós e fora de nós, é imortal e eternamente beneficente, não é ouvido, nem visto, nem apreendido pelo olfato, mas pode ser percebido pelo homem que deseja a percepção.” (Mabel Collins. The Idyll of the White Lotus, p. 114)

Examinemos agora o lema da Soc. Teosófica que é “Não há religião superior à Verdade”. Ele parece ser uma seta sempre apontando na direção da Verdade e do Altruísmo, isto é, da Teosofia. Lembremos que o estado de uma mente realmente sábia, ou a Teosofia, é em essência muito mais do que um mero conhecimento intelectual, ainda que esse último seja verdadeiro e importante. Segundo a Sra. Helena Blavatsky, já citada anteriormente, a Teosofia significa: “Conhecimento Divino, que eleva a mente do mundo da forma para aquele do espírito sem forma”; “iluminação espiritual”; “visão da eterna verdade, bondade e beleza”; “unir a própria alma com a Alma Universal”; “estado de verdadeiro conhecimento e maravilhoso discernimento”; ou ainda “Altruísmo ou a Grande Renúncia do EU”. Examinemos se o lema da ST não é uma seta indicando nessa direção.

O Lema da Soc. Teosófica: um Exemplo de Má Tradução

O lema da Soc. Teosófica “SATYAN NASTI PARO DHARMA” foi tomado emprestado, ainda no século XIX, do então marajá de Benares (Varanasi). Literalmente significa “Não há dharma superior à Verdade”. A palavra “dharma” geralmente é traduzida como “religião”, que é certamente um dos significados dessa palavra sânscrita. No entanto, essa não parece ser uma tradução que expresse satisfatoriamente o espírito ou o significado subjacente ao lema da ST. No Glossário Teosófico de HPB podemos ler quanto à palavra “dharma” que:

30 – “A essa palavra se atribuem numerosos significados, tais como: lei, religião, justiça, dever, piedade, virtude, mérito, condição, atributo, qualidade ou propriedade essencial; doutrina, credo; código, direito; conhecimento, sabedoria; verdade; prática, costume; bem; obra piedosa, etc.” (p. 159; grifo nosso)

A própria Sra. Blavatsky, na introdução de sua principal obra A Doutrina Secreta, amplia um pouco a visão do lema ao adicionar a palavra “lei” na tradução do mesmo. Assim, podemos ler ali:

31 – “NÃO HÁ RELIGIÃO (OU LEI), SUPERIOR À VERDADE” – “Satyan Nasti Paro Dharma. (The Secret Doctrine, Vol. I, p. xli)

A verdade, contudo, é que o conhecimento religioso comum não é o único que limita e condiciona a mente humana e que, portanto, deve ser transcendido a fim de que se possa alcançar o estado de ser denominado de Teosofia, no qual estão presentes simultaneamente a Verdade e o genuíno Altruísmo. Isto porque em nossa época o conhecimento dito filosófico e, sobretudo, o conhecimento científico, são tidos como sendo tanto ou mais importantes que os cânones religiosos. Assim sendo, parece que a palavra “doutrina” seria uma tradução mais abrangente e feliz da palavra “dharma”, dentro do contexto do lema da Soc. Teosófica. Pois as doutrinas (que são na melhor das hipóteses formulações intelectuais da Verdade) pertencem tanto ao campo das religiões, quanto aos campos das filosofias e das ciências modernas.

“Não há Dharma (Doutrina) Superior à Verdade”

N. Sri Ram, ex-presidente da Soc. Teosófica, expressou uma visão semelhante a essa interpretação do lema quando escreveu que:

32 – “O lema de nossa Sociedade é: “Não há religião superior à Verdade.” No sânscrito original, do qual esse é uma tradução, a palavra usada para “religião” é Dharma, que tem um significado muito mais amplo. Não há Dharma – não há doutrina, não há regra estabelecida de conduta, não há nada que possamos contar como apoio – maior do que a Verdade. A Sociedade defende aquela Verdade e a Fraternidade.” (On the Watch Tower, p. 9; grifo nosso)

O espírito do lema da Soc. Teosófica, portanto, parece estar sempre nos relembrando que não há doutrina ou formulação intelectual da Verdade, seja ela qual for, que seja mais importante ou superior à realização de um estado de ser de genuína Sabedoria ou Iluminação espiritual. Que seja superior à realização da Verdade e do Altruísmo, isto é, que seja superior à realização da Teosofia em nossas vidas.

É bem verdade, contudo, que o lema da Soc. Teosófica ainda poderia ser entendido à luz de uma chave de interpretação muito mais profunda. Nesse caso, o lema significaria que não há percepção mental, seja de que nível for, maior do que a Libertação (“Kaivalya”, na linguagem da obra classica Yoga Sutras de Patanjali). Mas, considerando-se o contexto em que o lema é empregado, o qual visa comunicar algo para as pessoas do mundo, um significado tão profundo, muito embora perfeitamente verdadeiro, não é o mais adequado.

Além disso, como os próprios Yoga Sutras de Patanjali nos informam, a clara percepção mental no nível imediatamente superior ao intelectual já é portadora do verdadeiro e do justo. (“Ao atingir-se a maior pureza do samádi no estágio “Nirvicára” (ao nível do mental abstrato) ocorre o alvorecer da luz espiritual.” (I-47) “Lá a consciência é portadora da Verdade e da Retidão.” (I-48)) Portanto, essas duas razões somadas nos indicam que o significado ao mesmo tempo mais completo e mais apropriado é o que vimos acima, de que não há doutrina (formulação ou representação intelectual) superior à realização direta da luz espiritual (da Verdade e da Retidão), isto é, não há doutrina superior à realização da Teosofia. A Sra. Blavatsky escreveu uma passagem que corrobora a interpretação acima, na qual relaciona a Sabedoria ao entendimento de nossos Eus Superiores:

33 – “Esotericamente, então, a afirmação de Jó (28:12 e 12:12) deve ser lida:

Com os Idosos (o Ego Superior do Homem) está a Sabedoria, e na abundância de dias (ou no número de suas reencarnações) o entendimento”. Nenhum homem pode aprender a sabedoria verdadeira em um nascimento; em cada novo renascimento, estejamos nós reencarnados por bem ou por mal, é mais uma lição que recebemos das mãos do mestre severo mas justo – A VIDA CÁRMICA. (A Doutrina Oculta, p. 150, ou Collected Writings, Vol. XII, p. 313; grifos nossos)

Lema: uma Seta Apontando para a Realização da Teosofia

Já a seguinte passagem de HPB a respeito da relação entre a Teosofia e a Soc. Teosófica, bem como a respeito da razão de ser da ST, parece estar em perfeita sintonia com o espírito do lema, conforme explicado acima:

34 – Teosofia é natureza divina, visível e invisível, e sua Sociedade, a natureza humana tentando ascender à sua fonte divina. Teosofia, finalmente, é o Sol fixo eterno, e sua Sociedade o cometa evanescente que tenta estabelecer-se em uma órbita para tornar-se planeta, girando eternamente dentro do campo de atração do Sol da verdade. Ela foi formada para auxiliar a demonstrar aos homens que existe tal coisa como a Teosofia, e ajudá-los a ascender até ela (…)”. (A Chave para a Teosofia, p. 62; grifos nossos)

Assim, o lema está sempre nos relembrando que não é impossível para o ser humano o desenvolvimento de uma mente verdadeiramente sábia. Que existe uma coisa tal como a Teosofia e que nada há de superior, que nada há de mais glorioso ou importante no destino humano do que a realização da Verdade e do Altruísmo (ou Retidão), ou seja, do que a realização da luz espiritual ou Teosofia, ainda que para a grande maioria essa realização diga respeito a um futuro ainda bastante distante.

Há ainda uma outra passagem muito conhecida da Sra. Blavatsky que também coloca claramente a Sabedoria Divina ou Teosofia como a meta a ser alcançada, cedo ou tarde, pelos esforços humanos. Este texto é conhecido como A Escada de Ouro:

35 – “Vida limpa, mente aberta, coração puro, intelecto ardente, clara percepção espiritual, afeto fraternal para com todos, presteza para dar e receber conselho e instrução, leal senso de dever para com o Instrutor, obediência voluntária aos preceitos da VERDADE, uma vez que nela pusemos nossa confiança e cremos que o Instrutor a possui; ânimo valoroso para suportar as injustiças pessoais, destemida declaração de princípios, valente defesa daqueles que são injustamente atacados, e mira constante no ideal de progresso e perfeição humana que a ciência secreta (Gupta-Vidya) nos revela – eis a Escada de Ouro por cujos degraus o aspirante pode galgar ao Templo da Sabedoria Divina.” (Collected Writings, Vol. XII, p. 591; grifo nosso)

Essa simples e maravilhosa possibilidade de crescimento e elevação espiritual existente no âmago, na essência profunda da natureza humana, a qual está implícita no lema da Soc. Teosófica, parece ser, mesmo ao nível do conhecimento intelectual, um dos ensinamentos de que a humanidade de nossos dias mais carece.

Existe uma passagem magistral na literatura mística de nossa época que parece corroborar essa afirmação de que essa possibilidade de crescimento espiritual do ser humano seja, de fato, uma das verdades que a humanidade mais carece. Essa passagem nos fala de três verdades perenes, com as quais deveríamos alimentar a humanidade. Ela é parte da novela mística O Idílio do Lótus Branco de Mabel Collins, e também aparece na famosa obra da mesma autora A Luz no Caminho, que é um dos maiores clássicos da literatura mística ou esotérica de todos os tempos. Relembremos essas três verdades perenes:

36 – “Há três verdades que são absolutas e que não podem ser perdidas, embora possam permanecer em silêncio por falta de quem as proclame.

I. A alma do homem é imortal e o seu futuro é o futuro de algo cujo crescimento e esplendor não têm limites.

II. O princípio que dá a vida mora em nós e fora de nós, é imortal e eternamente beneficente; não é ouvido, nem visto, nem apreendido pelo olfato, mas pode ser percebido pelo homem que deseja a percepção.

III. Cada homem é o seu próprio e absoluto legislador, o dispensador de glória ou de trevas para si próprio; é o decretador de sua vida, de sua recompensa e de sua punição.

Essas verdades, que são tão grandes como a própria vida, são tão simples como a mente mais simples do homem. Alimente com elas os famintos.” (The Idyll of the White Lotus, p. 114)

Se pudermos aceitar, ainda que apenas como uma hipótese, o fato revelado pela afirmação acima, de que estas verdades simples são grandes como a própria vida e que é delas que a humanidade mais carece, então talvez possamos apreciar mais corretamente a relevância do lema da Soc. Teosófica. Isto porque, à luz dos comentários feitos acima, podemos facilmente constatar que o lema está diretamente relacionado pelo menos com as duas primeiras dessas verdades. A primeira nos fala de um processo evolutivo ou de um progresso sem limites e, portanto, através desse crescimento, de uma gloriosa capacidade de realização da Verdade e do Altruísmo.

A segunda nos fala que a Sabedoria Divina é eternamente beneficente; e ainda, que ela não é totalmente inacessível ao ser humano, isto é, que ela pode ser alcançada pelo homem que realmente queira alcançá-la. Em perfeita sintonia com o que escreveu a Sra. Blavatsky (antes citada), elas nos falam da existência de uma tal coisa como a Teosofia (um estado de Sabedoria no qual a mente “é portadora da Verdade e da Retidão”), bem como da possibilidade do ser humano alcançá-la. E o lema da ST, desse modo, sintetiza estas duas primeiras verdades.

Quanto à terceira dessas simples verdades, ainda que absolutas ou transcendentes em sua grandeza e importância, o lema da Soc. Teosófica não está diretamente relacionado. O lema nos afirma a existência da Verdade e do Altruísmo, bem como da possibilidade do ser humano alcançá-la, mas não chega a entrar na questão da maneira como realizá-la. Essa terceira verdade, porém, está relacionada com os objetivos da Soc. Teosófica, por exemplo, quando nos falam de “investigar os poderes latentes no homem”, poderes esses que, conforme afirmou a Sra.  Blavatsky em citação anterior, “são capazes de transformá-lo em um Deus na face da terra”. Isto porque a terceira verdade afirma que o homem tem o poder de elevar-se, por seus próprios esforços, até a glória divina.

Depois de termos examinado a relação da Teosofia com o nome e o lema da Soc. Teosófica, nos capítulos seguintes examinaremos como a Teosofia se relaciona com os três objetivos da Soc. Teosófica.