OS PROBLEMAS MUNDIAIS E A FRATERNIDADE UNIVERSAL:
A Necessidade de uma Grande Reforma Intelectual
(Capítulo IX da obra “Teosofia e Fraternidade Universal“)
106 – “Para todos aqueles que veem a loucura e a esterilidade de uma existência cega pelo materialismo e ferozmente indiferente ao destino dos seus semelhantes, esse é o momento de agir; agora é o momento para devotarem todas as suas energias, toda a sua coragem e todos os seus esforços para uma grande reforma intelectual.” (Helena Blavatsky, Collected Writings, Vol. XI, p. 134; grifo nosso)
107 – “A grande reforma intelectual que Helena Blavatsky antecipou como a necessidade imediata da sua época ainda está para acontecer.” (Radha Burnier, The Theosophist, jan/1989)
No quinto capítulo (A Teosofia e a Fraternidade Universal) procuramos mostrar, com o auxílio de citações dos Sábios que ordenaram e inspiraram a fundação da Soc. Teosófica, o caráter verdadeiramente altruísta (teosófico) desta organização, pelo menos quanto à sua concepção original e à formulação dos seus objetivos. Isso implica que a Soc. Teosófica tenha como sua preocupação central o bem-estar da humanidade como um todo conforme, de fato, fica claro na citação abaixo:
108 – “O termo ‘Fraternidade Universal’ não é nenhuma frase ociosa. A humanidade em massa tem um supremo clamor sobre nós (…) Ela é a única fundação segura para a moralidade universal.” (K.H., The Mahatma Letters to A.P. Sinnett, n. 4, p. 17)
Vimos também que, em consequência desta preocupação central, esses Sábios esperavam que a Soc. Teosófica pudesse oferecer soluções consistentes aos grandes problemas do mundo, conforme vemos na conhecida passagem do Senhor Mahachohan que segue:
109 – “Para serem verdadeiras, a religião e a filosofia devem oferecer a solução de todos os problemas. Que o mundo esteja em uma tal má condição moralmente é uma evidência conclusiva de que nenhuma de suas religiões e filosofias jamais possuíram a verdade, aquelas das raças civilizadas menos do que qualquer outra.
As explicações corretas e lógicas sobre a questão dos problemas dos grandes princípios duais – o certo e o errado, o bem e o mal, a liberdade e o despotismo, a dor e o prazer, o egoísmo e o altruísmo – são tão impossíveis para elas hoje quanto o eram 1881 anos atrás. Elas estão tão longe da solução como sempre estiveram; mas para esses deve haver em algum lugar uma solução consistente, e se nossas doutrinas provarem sua competência em oferecê-la, então o mundo será rápido em confessar que essa deve ser a verdadeira filosofia, a verdadeira religião, a verdadeira luz, que dá a verdade e nada mais do que a verdade.” (Letters from the Masters of the Wisdom, 1st Series, n. 1, p. 9; grifos nossos)
Também vimos naquele capítulo que o objetivo fundamental e a ideia mestra da Soc. Teosófica é a Lei da Fraternidade Universal. Cabe repetirmos duas citações nesse sentido:
110 – “Nosso objetivo fundamental é a Fraternidade Universal (…).” (Helena Blavatsky, Collected Writings, Vol. IV, p. 470)
111 – “Mas, a nova sociedade, se realmente vier a ser formada, deve (…) ser, de fato, uma Seção da Sociedade Mãe como é a Sociedade Teosófica Britânica em Londres, e contribuir para a sua vitalidade e utilidade promovendo sua ideia mestra de uma Fraternidade Universal, e de outras maneiras práticas.” (K.H., The Mahatma Letters to A.P. Sinnett, n. 2, p. 9)
A Negação da Fraternidade Está na Base dos Problemas
Desse modo, uma vez que a Soc. Teosófica objetiva tanto o bem-estar da humanidade como um todo, quanto oferecer soluções consistentes para seus grandes problemas, e uma vez que seu objetivo fundamental e ideia mestra é a fraternidade universal, então, não é difícil perceber que a lei da fraternidade universal deve estar relacionada centralmente com os grandes problemas da humanidade, bem como com as soluções que a Soc. Teosófica deveria oferecer aos mesmos.
Depois disso, nos capítulos intitulados “A Filosofia Esotérica e a Fraternidade Universal”, vimos que a perspectiva da humanidade como uma Fraternidade Universal (ou seja, como expressão de uma lei natural) é uma moldura conceitual que sintetiza perfeitamente, à luz da Filosofia Perene, as características fundamentais dos seres humanos coletivamente considerados. Vimos também que essa perspectiva tem dois aspectos principais que podem ser resumidos como: a Unidade subjacente a todos os seres humanos, e a Diversidade manifestada de capacidades ou talentos, sem falar das bem reconhecidas diferenças de temperamentos ou tipos psicológicos.
Vimos ali também que no atual estágio evolutivo da humanidade apenas uma pequena minoria apresenta um elevado desenvolvimento psico-espiritual ou do Eu Superior (Egóico), o que garante a essa minoria uma potência mental muito maior do que o restante da humanidade, e que isso lhes imputa uma grande responsabilidade quanto aos destinos de todas as sociedades coletivamente consideradas. Já citamos a passagem do Senhor Mahachohan na qual Ele afirma de forma inequívoca essa influência e responsabilidade da elite sobre a população em geral, mas não é demais repeti-la:
112 – “As ‘classes intelectuais’, reagindo sobre as massas ignorantes que elas atraem e que olham para elas como exemplos nobres e qualificados para serem seguidos, degradam e moralmente arruínam aqueles que deveriam proteger e guiar.” (Letters from the Masters of the Wisdom, 1st Series, n. 1, p. 4)
A Senhora Blavatsky também tem uma passagem onde afirma, apenas com outras palavras, porém de forma igualmente inequívoca, essa influência da elite:
113 – “(…) essa nossa geração parece exibir apenas uma compreensão espiritual muito rudimentar, enquanto que aparentemente desenvolvida em intelecto na máxima extensão possível. Essa é, de fato, uma época dura e materialista: um fragmento de quartzo brilhante é o seu símbolo apropriado. E contudo, de que “época” e “geração” estamos falando? Não daquela das massas, pois elas mudam apenas pouco de geração para geração: não, falamos sim da classe educada, os líderes de pensamento, os controladores e estimuladores das opiniões daquele grande grupo social intermediário, que se situa entre os altamente cultos e os brutamente ignorantes. Eles são os céticos de hoje, que são tão incapazes de se elevar à sublimidade das filosofias vedantina e budista quanto uma tartaruga de voar alto como uma águia.” (Collected Writings, Vol. III, p. 104; grifo nosso)
Se for satisfatoriamente compreendida, essa noção do decisivo papel estratégico desempenhado pelas “classes intelectuais”, ou pela elite, ficará claro que, justamente por causa dessa influência decisiva da elite, as ideias, ou as correntes de pensamento que forem dominantes ao nível da elite (a qual, como vimos, é a única parcela da sociedade capaz de apreendê-las de forma satisfatória), se projetarão invariavelmente sobre a sociedade inteira, sob a forma de suas principais noções éticas, bem como sob a forma mais concreta de suas principais instituições político-sociais. Desse modo, essas informações também nos permitem compreender melhor quão exata é a afirmação abaixo, que lemos em uma das cartas dos Adeptos, a respeito de que as ideias, de fato, regem o mundo:
114 – “Mesmo os espíritas com suas visões e noções equivocadas (…) profetizam e suas profecias nem sempre deixam de conter um pouco de verdade, de pré-visão intuitiva, por assim dizer. Ouça alguns deles reafirmando o antigo, muito antigo axioma de que “Ideias regem o mundo”; e à medida que as mentes dos homens recebam novas ideias, deixando de lado as velhas e estéreis, o mundo avançará; imensas revoluções surgirão a partir delas; instituições (e até mesmo credos e poderes, eles poderiam acrescentar) ruirão ante a sua marcha progressiva, aniquilados pela sua própria força inerente (…) Será tão impossível resistir à sua influência quando chegar a hora, quanto impedir o avanço da maré – com toda a certeza.” (K.H., The Mahatma Letters to A.P. Sinnett, n. 93, p. 425; grifo nosso)
Da mesma maneira, vimos anteriormente em passagem citada da carta com a visão do Senhor Mahachohan, a qual parcialmente repetimos abaixo, que as religiões e filosofias encontram-se afastadas de uma perspectiva correta da humanidade:
115 – “Que o mundo esteja em uma tal má condição moralmente é uma evidência conclusiva de que nenhuma de suas religiões e filosofias jamais possuíram a verdade, aquelas das raças civilizadas menos do que qualquer outra.” (Letters from the Masters of the Wisdom, 1st Series, n. 1, p. 9)
Nessa mesma carta vimos que, por estarem longe da verdade, elas se encontram incapacitadas de oferecer “soluções consistentes” para os problemas das grandes questões duais que desafiam a humanidade. Tratam-se, conforme ali lemos, de questões como “o bem e o mal, o certo e o errado, o altruísmo e o egoísmo, o prazer e a dor”. Ora, as respostas a essas questões necessariamente configuram um sistema de ideias éticas e de deveres.
Analogamente, a resposta à grande questão dual “da liberdade e do despotismo” (igualmente mencionada nessa carta) implica em um modelo de organização social, isto é, um modelo das principais instituições políticas da humanidade. Como essas respostas afetam decisivamente o bem-estar moral e físico da humanidade, vemos a razão porque podemos ler em uma das cartas dos Adeptos que:
116 – “O problema da verdadeira Teosofia [N.A: do verdadeiro Altruísmo, ou Sabedoria Divina] e sua grande missão é a elaboração de claras e inequívocas concepções de ideias éticas e de deveres, as quais possam mais e melhor satisfazer os sentimentos retos e altruísticos em nós; e a moldagem dessas concepções para a sua adaptação em tais formas de vida diária onde elas possam ser aplicadas com mais equidade. Tal é o trabalho comum em vista para todos os que desejem agir de acordo com esses princípios.” (Letters from the Masters of the Wisdom, 2nd Series, n. 82, p. 158; grifos nossos)
A Negação da Fraternidade e a Necessidade de Reformas
E uma vez que, conforme vimos claramente nos capítulos anteriores, a concepção da humanidade como uma fraternidade universal deriva-se logicamente dos princípios fundamentais das doutrinas esotéricas, e que ela se constitui na “única fundação segura para a moralidade universal”, isto é, na única fundação segura para um sistema de “claras e inequívocas concepções de ideias éticas e de deveres”, bem como que essa é a ideia mestra da Soc. Teosófica, então torna-se logicamente necessária a conclusão (aqui assumida como uma hipótese) de que as correntes de pensamento hegemônicas, isto é, as ideias que, de fato, regem o mundo em nossa época, devem se afastar ou contradizer de algum modo esta concepção fundamental da humanidade como uma Fraternidade Universal.
Torna-se necessário, portanto, assumirmos a hipótese de que essa deva ser a razão porque os sistemas de ética e de deveres, do mesmo modo que os modelos de organização político-social derivados das correntes de pensamento dominantes, devam ser equivocados. E, assim sendo, devam resultar em conflitos e num imenso sofrimento moral e físico para os seres humanos em geral – que é, evidentemente, o quadro mundial que podemos observar em nossa época. há mais de um século a visão do Senhor Mahachohan apontava o fracasso das atuais formas de organização social. Como se trata de um ponto fundamental e muito mal compreendido, mesmo entre os membros da Soc. Teosófica, cabe repetirmos uma pequena parte da citação antes apresentada:
117 – “O mundo em geral, e a cristandade em especial, abandonados por dois mil anos ao regime de um Deus pessoal, bem como aos seus sistemas políticos e sociais baseados nessa ideia, agora provaram-se um fracasso.” (Letters from the Masters of the Wisdom, 1st Series, n. 1, p. 7)
A citação acima pertence a uma carta que data de 1881, período em que as correntes filosóficas propriamente materialistas, sobretudo o Marxismo, ainda não eram muito influentes. Elas estavam apenas no início de suas trajetórias.
Tudo indica ser essa a razão porque o Adepto menciona apenas o efeito nocivo da concepção da existência de um Deus pessoal. É importante, contudo, levarmos em conta o fato que o advento dessas filosofias materialistas não mudou fundamentalmente o panorama mundial que já era extremamente perverso no século XIX e que, durante o século XX, em alguns aspectos, até mesmo piorou substancialmente. Cabe citar aqui, a esse respeito, uma interessante passagem de Radha Burnier, Presidenta Internacional da Soc. Teosófica, na qual ela comenta passagem da Senhora Blavatsky:
118 – “Em 1889 Madame Blavatsky fez uma descrição de sua época, da seguinte maneira:
“De todos os séculos passados este nosso século XIX tem sido o mais criminoso. Ele é criminoso em seu egoísmo assustador, em seu ceticismo o qual zomba da própria ideia de qualquer coisa além do material; e em sua indiferença idiota a tudo que não pertença ao eu pessoal, mais do que qualquer dos séculos anteriores de ignorância, barbarismo e escuridão intelectual. (…) Para todos aqueles que veem a loucura e a esterilidade de uma existência cega pelo materialismo e ferozmente indiferente ao destino dos seus semelhantes, esse é o momento de agir; agora é o momento para devotarem todas as suas energias, toda a sua coragem e todos os seus esforços para uma grande reforma intelectual. Essa reforma pode apenas ser realizada pela Teosofia, e, permitam-me acrescentar, pelo Ocultismo ou a Sabedoria do Oriente.” (Collected Writings, Vol. XI, p. 134) [N.A.: Sempre é bom enfatizar que a palavra Teosofia significa verdadeiro Altruísmo, conforme podemos ler em várias passagens da própria Senhora Blavatsky, a exemplo da que segue: “Que eles saibam de uma vez por todas e recordem sempre que verdadeiro Ocultismo ou Teosofia é a “Grande Renúncia do EU”, de forma incondicional e absoluta, tanto em pensamento quanto em ação. É ALTRUÍSMO (…)”. (Practical Occultism, p. 43)
Ela mais adiante descreveu o século XIX como o filho híbrido da superstição medieval e de um impostor devasso conhecido como “civilização moderna”.
O século XX superou de longe o XIX em barbarismo, egoísmo criminoso, cegueira materialística e indiferença a tudo que está além do interesse pessoal. Ele subiu a picos de atividade destrutiva nunca antes alcançados. Os mortos e feridos nas duas Guerras Mundiais foram contados aos milhões, e outros tantos milhões foram desalojados à força de seus lares e obrigados a sofrer agudas misérias de vários tipos. Uma longa série de outras guerras de menor escala aumentaram o montante da carnificina desse século. Esses foram anos e décadas de dizimação impiedosa de inúmeras pessoas em muitas partes do mundo por razões ideológicas, tribais, raciais ou políticas. [N.A.: E, em grande medida, também por razões econômicas. Basta lembrar a importância do colonialismo.]
Raramente, ou talvez nunca, foi a crueldade praticada em tão grande escala em relação tanto ao homem quanto aos animais como no século XX. A vida vegetal, também, foi reduzida dramaticamente e os recursos minerais exauridos. A degradação e a poluição ambiental agora representam malefícios tão graves que alguns cientistas acreditam que esses sejam uma ameaça maior do que a guerra nuclear.
A indústria da guerra tem sido uma das atividades comerciais mais importantes do século, trazendo enorme riqueza a alguns indivíduos e empresas. Também as nações, se tiverem a requerida capacitação, estão competindo umas com as outras para acumular riquezas pela manufatura e venda de armas. A psicologia criminosa está agindo em outros tipos de negócios com os quais nos tornamos familiarizados, tais como o tráfico de drogas, e o comércio de remédios e comida de qualidade inferior que as populações pobres e ignorantes dos países subdesenvolvidos são ludibriadas para comprar. A civilização moderna tem sistematicamente promovido a violência e ela agora se espalhou até as ruas e os lares. Ela também liberou as forças da decadência ao colocar o prazer e o sucesso como as metas mais valiosas. O apego às diversões, ao dinheiro e às drogas atingiu níveis epidêmicos. Embora aqui e ali haja sinais de preocupação com a condição humana e investigações quanto à validade das premissas sobre as quais a civilização de nossos dias está construída, a vasta maioria das pessoas continua a estar no mesmo estado de idiótica indiferença aos problemas que defrontam a espécie humana e a autenticidade ou não dos pressupostos que estão por detrás dessas premissas.
A grande reforma intelectual que Helena Blavatsky antecipou como a necessidade imediata da sua época ainda está para acontecer.” (The Theosophist, jan/1989; grifo nosso)
Leis Universais em Contraposição a um Deus Pessoal
O outro aspecto a ser comentado diz respeito aos efeitos perversos da concepção da existência de um Deus pessoal. Um dos principais problemas implícitos nessa concepção equivocada é que ela abre as portas para uma visão de universo que não é regido de forma absoluta por Leis eternas e impessoais. Um universo regido por um Deus pessoal permite a existência de milagres e de rupturas no domínio absoluto das grandes Leis.
Quando abrem-se as portas para intervenções dessa natureza, a noção vital do domínio absoluto das Leis passa a ocupar um lugar secundário no esquema universal, o que resulta numa falta de confiança nas Leis. Essa falta de confiança nas Leis, por sua vez, resulta num descrédito na capacidade intrínseca ao ser humano de avançar por meio de sua própria inteligência até a Verdade, a Sabedoria Divina ou Teosofia. Isso resulta, portanto, num descrédito na possibilidade do desenvolvimento de um estado de ser verdadeiramente Altruísta.
Nesse mesmo momento, abrem-se igualmente as portas para a cegueira espiritual e um sem número de misérias que dela necessariamente surgem.
Também é importante observarmos o fato de que as concepções propriamente materialistas do universo igualmente implicam (por caminhos diferentes que examinaremos mais adiante) em equívocos muito semelhantes aos descritos no parágrafo anterior. Quando retira-se das grandes Leis universais o sentido, o propósito e a inteligência maior que lhes são inerentes, passando-se a crer que elas são filhas do entrechoque ocasional de forças cegas – isto é, do acaso – a resultante é curiosamente muito parecida com aquela que vimos acerca da concepção de um Deus pessoal.
Nesse caso, a concepção do destino glorioso do ser humano também é deturpada, uma vez que a concepção do domínio absoluto das Leis também é subvertida, na medida em que elas passam a não ter sentido algum por si mesmas, a não ser aquele que os homens lhes atribuem com o seu pensamento. Todos os sentidos maiores da vida tornam-se, desse modo, questões subjetivas e relativas. Em vista disso, não é de surpreender que essas filosofias tenham resultado em práticas igualmente impiedosas e em modelos de organização político-social igualmente perversos.