O Credo do Cristianismo


Tradução: Daniel M. Alves oficinadotexto@gmail.com
Revisão e edição: Arnaldo Sisson Filho

[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

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O CREDO DO CRISTIANISMO

INTERPRETAÇÃO I (1)

Credo in Deum, Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae
(Creio em Deus, Pai todo poderoso, Criador do céu e da terra).

1. (**) A FÉ cristã é a herdeira direta da velha fé romana. Roma foi a herdeira da Grécia, e a Grécia do Egito, de onde se originaram o legado de Moisés e o ritual hebraico.

O Egito foi apenas o foco de uma luz cuja verdadeira fonte e centro era o Oriente em geral – Ex Oriente Lux. Pois o Oriente, em todos os sentidos, geograficamente, astronomicamente e espiritualmente, é sempre a fonte de luz.

Mas, embora originalmente derivada do Oriente, a Igreja de nossos dias e de nosso país é modelada diretamente a partir
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da mitologia greco-romana, e de lá retira todos os seus ritos, doutrinas, cerimônias, sacramentos e festivais.

Portanto, a exposição que será feita sobre o Cristianismo Esotérico tratará mais especificamente dos mistérios do Ocidente, uma vez que suas ideias e sua terminologia são para nós mais atrativas e próximas do que as concepções não artísticas, a metafísica não familiar, o espiritualismo melancólico e a linguagem pouco sugestiva do Oriente.

Extraindo sua essência vital diretamente da fé pagã do velho mundo Ocidental, o Cristianismo mais proximamente se parece com seus pai e mãe imediatos, do que com seus ancestrais remotos, e será, então, melhor exposto com referência a suas fontes da Grécia e de Roma, do que com referência a seus paralelos bramânicos e védicos.

2. A Igreja cristã é católica, ou então ela não é nada que mereça, em absoluto, o nome de Igreja. Pois católico significa universal, todo-abarcante: – a fé que sempre e em todos os lugares foi recebida. (1) A prevalecente visão limitada desse termo é errada e prejudicial.

A Igreja cristã foi inicialmente chamada de católica porque ela abarcava, compreendia e tornou seu o passado religioso de todo o mundo. Reunindo em sua figura central – do Cristo – e em torno dessa figura todas as características, lendas e símbolos até então pertencentes às figuras centrais das dispensações anteriores, proclamando a unidade de toda aspiração humana, e formulando em um grande sistema ecumênico as doutrinas do Oriente e do Ocidente.

3. Assim, a Igreja católica é védica, budista, zend-avesta e semítica. Ela é egípcia, hermética, pitagórica e platônica.

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4. Ela é escandinava, mexicana e druídica. Ela é grega e romana. Ela é científica, filosófica e espiritual.

Encontramos em seus ensinamentos o panteísmo do Oriente, e o individualismo do Ocidente. Ela fala a língua e pensa os pensamentos de todos os filhos dos homens; e em seu templo todos os deuses estão em um lugar sagrado.

Eu sou vedantina, budista, helenista, hermética e cristã, porque eu sou católica. Pois nessa única palavra todo o Passado, Presente e Futuro estão abarcados.

Como Santo Agostinho e outros dos Padres (Pais) da Igreja verdadeiramente declararam, o Cristianismo não contém nada de novo a não ser o seu nome, estando próximo dos antigos desde o seu início. E as várias seitas, que retém apenas uma porção da doutrina católica, são apenas como cópias incompletas de um livro, do qual capítulos inteiros foram retirados, ou como representações de uma peça teatral na qual apenas alguns de seus personagens e de suas cenas foram mantidos.


INTERPRETAÇÃO II (1)

Et in Jesum Christum, Filium ejus unicum, Dominum nostrum; qui conceptus est de Spiritu Sancto, natus ex Maria Virgine
(E em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor; que é concebido pelo Espírito Santo, nascido da Virgem Maria).

5. Este resgate do Credo para os dias de hoje é necessário para o seu entendimento esotérico e correto. Pois não há tempo pretérito nas coisas Divinas, uma vez que todos os eventos sagrados denotam processos e todas as pessoas sagradas denotam princípios, não tendo relação alguma com o tempo e a matéria, mas são eternamente presentes e operantes na alma.

Caso a religião, de fato, dependesse da história, nenhuma fé teria qualquer chance de perdurar, dado que pouco podemos depender do registro dos eventos, mesmo estando próximos do tempo de sua ocorrência, e dado que com o passar do tempo a evidência dos eventos deve se tornar enfraquecida, e após um longo tempo se apagar.

A religião, no entanto, é espiritual por sua própria natureza, e é direcionada para a alma, não tendo, portanto, nenhuma relação de concordância com o que é físico e histórico.

6. Além disso, todos os eventos assim chamados históricos do relato Cristão
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são igualmente reivindicados por outras religiões como tendo ocorrido com seus respectivos heróis, um fato que demonstra que tais eventos foram geralmente vistos apenas como alegorias, modelos, ou representações dramáticas dos vários estágios da história espiritual de todos os homens.

Junte a isso as múltiplas contradições irreconciliáveis contidas nos próprios relatos, e a natureza totalmente inacreditável de muitas das narrativas se forem vistas como físicas, e nos vemos condenados ao desespero se ainda estivermos forçados a depender dos relatos da história para a nossa religião.

Mesmo se assim não fosse ainda restaria o fato de que nada do que ocorre no plano físico e externo do homem pode ocasionar sua salvação, uma vez que a mudança a ser feita deve ser dentro do próprio homem, e ser resultado da operação de seu próprio espírito, o qual habita em seu interior. Eventos físicos e processos espirituais jamais podem ser assemelhados uns aos outros.

7. Ao insistir na significação esotérica como sendo a única verdadeira e de valor, longe de estarmos propondo algo novo, estamos apenas retornando ao uso antigo e original.

É a aceitação do Credo em seu sentido exotérico e histórico que é realmente moderna. Pois todos os mistérios sagrados foram originalmente considerados como espirituais, e apenas quando eles passaram das mãos de iniciados devidamente instruídos para as de pessoas ignorantes e vulgares é que se tornaram materializados e degradados até o nível que encontram em nossa época.

A verdade esotérica do segundo artigo do Credo pode ser compreendida somente por meio de um conhecimento prévio, em primeiro lugar, da constituição do homem e, em seguida, do significado dos termos empregados na formulação da doutrina religiosa.

Essa doutrina representa um conhecimento perfeito da natureza humana, e os termos nos quais ela está expressa – “Adão”, “Eva”, “Cristo”, “Maria”, assim como os demais – denotam os vários elementos espirituais que constituem o indivíduo, os estados pelos quais ele passa e a meta que ele finalmente atinge no transcurso de sua evolução espiritual.

Como disse São Paulo, “essas coisas são uma alegoria” [Gálatas 4:24]; e para compreendê-las é necessário conhecer os fatos aos quais elas se referem. Conhecendo esses fatos não temos nenhuma dificuldade em reconhecer a origem de tal representação, e de aplicarmos isso a nós mesmos.

Assim, “Adão” é meramente o homem externo e mundano, ainda que no tempo devido desenvolva a consciência da “Eva”, ou da Alma – pois a alma é sempre a “Mulher” – e se torne um ser dual constituído de matéria e espírito.

Como “Eva”, a alma cai sob o poder desse “Adão”, e tornando-se impura através da sujeição à matéria, gera Caim, que, representando sua natureza inferior, é referido como cultivando os frutos do chão.

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Porém, como “Maria”, a alma reconquista sua pureza, que é referida como sendo virgem no tocante à matéria, e polarizando-se para Deus, torna-se a mãe do Cristo ou Homem regenerado, somente o qual é o Filho gerado por Deus [Filho Unigênito de Deus] e Salvador do homem, no qual ele é gerado.

Por essa razão Cristo é tanto processo quanto resultado do processo. Assim sendo, ele não é, como se supõe comumente, “o Senhor”, mas “nosso Senhor”.

O Senhor é Adonai, o Verbo, que vive eternamente nos Céus; e Cristo é Sua contraparte no homem. E nenhum Cristo na Terra é possível àquele em quem não há nenhum Adonai nos Céus.

8. Toda a história espiritual do homem é, assim, compreendida nos dois dogmas da Igreja: o da Imaculada Concepção da Virgem Santa, e o de sua Assunção. Pois eles não têm relação com coisas físicas, mas denotam com precisão o triunfo e apoteose da alma, aquela glorificação e perpetuação do Ego humano individual, que é o objetivo e resultado da evolução cósmica, e consumação do esquema da criação. (1)


INTERPRETAÇÃO III (2)

Passus sub Pontio Pilato, crucifixus, mortuus, et sepultus; descendit ad inferos; tertia die resurrexit a mortuis; ascendit ad caelos, sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis; inde venturus est judicare vivos et mortuos
(Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto, e sepultado; desceu aos infernos; ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; ascendeu ao céu, e sentou à direita de Deus Pai todo poderoso; de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos).

9. A devoção do “Rosário da Virgem Santíssima” consiste de quinze dezenas, cada uma delas formula e celebra um Mistério da fé cristã. Esses Mistérios são divididos em três classes, das quais a primeira é chamada Cinco Mistérios Gozosos; a segunda, Cinco Mistérios Dolorosos; e a terceira, Cinco Mistérios Gloriosos. (3) A Anunciação, a
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Encarnação e o Nascimento de Cristo são temas dos Cinco Mistérios Gozosos. Esses foram tratados na última exposição. Os Cinco Mistérios Dolorosos e os Cinco Mistérios Gloriosos estão resumidos nas passagens que compõe a presente exposição. Eles sintetizam os três principais eventos na história espiritual do “Filho de Maria” – o Cristo, ou Homem Perfeito por meio da re-uni-ficação com Deus – a Paixão, o Sacrifício e a Vitória.

10. Essa história é a história da alma, tanto a alma universal como a individual. Pois, assim como a criação e a redenção do universo como um todo aconteceu por meio de uma “queda”, ou descenso da essência da alma à condição de matéria, e seu subsequente retorno à condição de espírito puro – assim também ocorre com a criação e redenção do indivíduo.

Todo o processo foi representado pelos sábios da antiguidade na simbologia Hermética e Cabalística chamada de “Selo de Salomão”. Esse consiste de dois triângulos entrelaçados, um que se situa acima do outro e apontando para cima, e o outro um pouco abaixo desse último e apontando para baixo. Esses triângulos simbolizam, respectivamente, o mundo imanifestado e inicial da emanação, e o mundo manifestado e secundário, ou derivado, da criação.

Ambos os triângulos são atravessados verticalmente (do ponto mais alto até o mais baixo) e horizontalmente (de um lado ao outro), por duas linhas que, se entrecruzando, formam ao mesmo tempo a Árvore da Vida e do Conhecimento do Bem e do Mal, e a Cruz de Cristo.

11. Dessa Cruz, o feixe vertical, ou Árvore da Vida, tem seu ápice em Deus imanifestado, e sua base na Matéria, o mundo inferior ou Hades, o “Inferno” do Credo. A parte superior do
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hexágono formado pelos triângulos representa o mundo espiritual da Emanação; a seção inferior representa o mundo terreno da Evolução. Por essa razão a cabeça do Cristo crucificado está nas esferas celestiais, e Seus pés estão no Hades; Sua mão direita indica o ponto de descenso da alma para o mundo da Geração; Sua mão esquerda indica o ponto da emergência da alma à vida eterna.

O Cristo crucificado é, desse modo, a Hipóstase [a essência ou princípio subjacente] de Adonai, o Senhor, e Sua Cruz é o emblema do Febo espiritual [Apolo, deus da luz, deus sol] ou “signo do Filho do Homem nos Céus”, e a aliança do Divino com o humano.

Seu pé está no mundo da Materialização ou Existência, que é o da Provação. Pois a Provação é a antecedente e é condição da iniciação na consciência espiritual.

O Caminho da Vida e Caminho da Cruz [Via Crucis] são um só. A crucificação de Cristo é o ato da entrega suprema que deve anteceder a união do humano com o Divino; e, do mesmo modo, a morte e sepultamento significam a completa dissolução do velho Adão, ou eu inferior.

12. O Pôncio Pilatos do Credo, ou pontífice coroado, é a representação de um sacerdócio corrupto e materialista, fazendo concessões à multidão, aliado a Herodes, ou o “dragão”; colaborando com César – o típico talento do mundo – e alegando ser o único “elo de ligação” entre Deus e o homem.

Tal ordem jamais falha em mal interpretar, rejeitar, condenar e “crucificar” o Cristo e a concepção do Cristo. Quando os Evangelhos descrevem Pilatos como tendo juntado o sangue dos galileus às oferendas dos sacrifícios, e tendo recusado dar atenção aos protestos de sua esposa, ele se referia na verdade à fixação inveterada dos sacerdotes ao princípio da salvação vicária [por meio de outro] e das oferendas sanguinárias, bem como a sua rejeição aos ensinamentos da Intuição.

13. O golpe mais severo desferido contra a Igreja de “Pôncio Pilatos” foi a promulgação das descobertas astronômicas de Copérnico e Galileu.

As antigas mitologias retratavam a trajetória do Homem-Deus como correspondendo ao curso do sol no céu visível; e ensinavam que os movimentos e o percurso do sol físico em relação à Terra são idênticos àqueles do Salvador Espiritual em relação à humanidade.

A revelação da verdadeira situação em relação ao caso do sol – ou seja, que embora pareça passar por todas as mudanças que são observadas no sol, ele permanece fixo e imutável no centro do sistema – se o mundo tivesse sido suficientemente perspicaz para reconhecer a analogia espiritual ele teria descoberto a verdade de que a Divindade permanece intocada pelo tempo ou pelos seus veículos de manifestação, e que a ilusão do universo físico não constitui qualquer interrupção ou mudança na própria consciência Divina, mas que os acontecimentos do tempo
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e do espaço pertencem ao mundano, e ocorrem apenas na consciência humana secundária.

O sol não trilha um caminho nos céus como nos parece, o qual é uma ilusão que surge de nossas próprias mudanças de lugar e condição. E assim, o nascimento, a paixão e outros atos do Filho de Deus nesse mundo da criação são processos que se dão em razão das condições desse mundo, bem como das operações do tempo, o que faz com que nós percebamos as Ideias como Estados, em sequência cronológica e com extensão espacial.

O Filho de Deus no Céu é imutável em relação a nós. Ele nem descende nem ascende, tampouco é sepultado ou ressuscita, nem sofre nem triunfa. Todas essas mudanças resultam da sucessão da percepção na consciência planetária. (1) O estado do Cristo é a transcrição na esfera das extensões, daquilo que, como Princípio, sempre é, e de forma absoluta.

Se o mundo tivesse sido capaz de captar essa verdade – as possibilidades e as implicações metafísicas da descoberta da natureza do sistema solar – ele teria compreendido a distinção esotérica entre Cristo e Adonai. Isto é, entre o “Filho de Maria” e a Sabedoria Filha Única de Deus. E teria evitado o erro fatal de tomar qualquer personalidade humana, por mais perfeita que seja como um representante do processo, com o próprio princípio Divino.

A verdade natural teria capacitado os homens a distinguir entre o sol como ele é em si mesmo e em sua própria esfera, e o sol como ele nos parece ser em nossa esfera. A ideia do primeiro é a do Noumenon, Adonai; a ideia do segundo é aquela de seu aspecto e contraparte humana, o Cristo. Eles não são dois sóis, mas um único sol. E, no entanto, apesar de imutável, ele nos parece como mutável; embora imortal, ele nos parece morrer.

Todo o enigma é resolvido pela correta compreensão do fato de que a imagem da luz eterna e imutável – o centro da radiação – quando projetada em nossa esfera mutável e sequencial, é interceptada, por assim dizer, por um meio condicionado, e torna-se sujeita a condições. E isso ocasiona que o próprio centro da radiação pareça mutável e sequencial, de modo que, sem deixar os céus, ou passar pela menor mudança ou interrupção de sua imutabilidade, Adonai aparece na terra como Cristo, realizando o drama da Redenção.

14. Cristo completa o processo evolutivo da criação planetária,
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do mesmo modo que Adonai completa o percurso lógico da emanação Celestial. A potencialidade Divina implícita no En-soph culmina e polariza-se em Adonai. O espírito e a alma elaboram e manifestam sua conjunção em Cristo, que desse modo representa a transmutação do princípio em estado: – os raios do Noumenon entrando, estendendo e expressando sua imagem através das lentes do tempo.

15. Não apenas a morte, o enterro e a descida do Cristo até o Hades [inferno], renovam em um plano interior e pessoal a imersão da alma na existência; mas também repetem, em um sentido mais elevado e mais sutil, o drama dos quarenta dias de jejum e retiro no deserto. Pois esse período de quarenta dias simboliza as provações da iniciação tal como praticadas nos mistérios gregos (1); e a morte, o sepultamento e os três dias passados no Hades simbolizam a heroica e salvadora oblação [sacrifício] do Deus-Homem.

17. A Regeneração nos mistérios hebreus é simbolizada pela fuga do Egito – o corpo, e, portanto, terra de aprisionamento para a alma – através do Mar Vermelho para o Deserto do Pecado, o cenário da provação no qual os quarenta dias místicos estão expressos em um período semelhante de anos.

A Redenção é representada pela travessia do Jordão, que separa esse deserto da provação da terra prometida da perfeição e repouso espiritual. Esse Jordão, ou rio do julgamento, não poderia ser atravessado por Moisés, pois ele tinha falhado na provação de sua iniciação.

A libertação final de Israel estava reservada a Joshua, um nome idêntico a Jesus, que se manteve fiel em todos os momentos. O Jordão corresponde ao rio Aqueronte dos mistérios do Olimpo, o qual todas as almas, ao descer ao mundo inferior, eram obrigadas a atravessar. E o Limbo, o Paraíso, o Avernus, os Campos Elísios, o Tártaro, o Purgatório e o repouso, todos denotam, sob diversos nomes, não localidades, porém esferas ou condições de existência, igualmente reconhecidos nos sistemas hebreu, pagão e cristão, e existindo no próprio homem.

E a passagem de Cristo através do mundo inferior [o “inferno” do Credo] representa ocultamente a obra da Redenção dentro do reino humano, de forma exatamente análoga à doutrina hermética da transmutação,
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ou seja, a Redenção do Espírito da matéria, alegoricamente designada como a conversão de metais inferiores em ouro.

18. Não é apenas a alma do Cristo que se ergue do Hades da materialidade e ascende ao Céu. É também seu glorificado corpo, Sua mente racional, Seus afetos regenerados.

O corpo ressuscitado de Cristo Jesus é aquela natureza humana reconciliada e iluminada, que é representada pela mais externa das três porções de farinha fermentadas pela graça Divina; e pela terceira cabeça do cão do Hades – Cérbero – atraída para cima em direção à luz pelo herói solar Héracles.

A mente e as afeições ressuscitadas de “nosso Senhor” consistem naquelas ciências, amores e memórias puras que foram fortes e duráveis o bastante para, desde a terra, chegar ao Céu, e tornar-se parte do homem interior.

As afeições e conhecimentos meramente terrenos da anima bruta, ou eu externo, perecem. Suas paixões e memórias inferiores se desintegram, e junto com seus veículos que se desintegram elas revertem ao cadinho que tudo dissolve de “Hecate”, ou Caos. Mas todos os amores verdadeiros pertencem ao celestial, dentro do Ego ressuscitado e que ascendeu.

19. Cristo Jesus ressuscitando e ascendendo ao Seu Pai; Cristo Jesus vertendo Sua virtude e graça salvadora sobre todos os mundos; Cristo Jesus, assumindo no Céu sua Mãe Divina e coroando-a ao Seu lado em Seu trono acima dos anjos – esses são os “Cinco Mistérios Gloriosos do Rosário da Santíssima Virgem”, ou alma purificada do homem, que completa sua sequência de esperanças, pesares e triunfos. Pois agora a união do Divino e do humano tornou-se absoluta. O “Filho do Homem permanece à direita de Deus”, de onde, perpetuamente, “Ele vem julgar os vivos e os mortos”, e distinguir entre os justos e os injustos.

20. Nesse perfeito ideal realizado de humanidade reside o supremo padrão humano do certo e do errado, da vitalidade espiritual e da insensibilidade para a virtude e para a graça. O Logos Divino dentro da alma humana é a voz de Deus penetrando o “jardim” do microcosmo humano, e chamando a mente e os afetos para o julgamento.

21. E não apenas no lugar secreto da consciência de cada homem, mas em seu entendimento e aspiração coletivos, por todas as eras, através de todos os mundos de provação, sua Divina voz é ouvida – que é ao mesmo tempo o ardor por progresso espiritual, o imutável censor da ação humana, e a promessa da salvação. E esse “dia do julgamento” não cessará até que os mundos da forma voltem novamente ao seio do espírito, até que os estados se revertam em princípios, os fenômenos ao Noumena, e o amanhecer do eterno Sabbath dissolva em esplendor a noite da matéria e do tempo.


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INTERPRETAÇÃO IV (1)

Credo in Spiritum Sanctum, sanctum Ecclesiam Catholicam
(Creio no Espírito Santo, na santa Igreja Católica).

22. Dos dois triângulos que compõe o “Selo de Salomão”, o superior representa o mundo não manifestado do espírito puro e o conhecimento acerca dele foi reservado aos iniciados de um grau elevado – os eleitos, ou iluminados – e é o campo do Misticismo. O triângulo inferior, que representa o universo manifestado, é o terreno do Ocultismo.

A parte central é um hexágono, que é dividido verticalmente e horizontalmente por duas linhas formando uma cruz, as quais são chamadas,

O Triângulo Inferior

mostrando os sete Mundos, Estações ou Moradas sucessivas da Alma Terrena; e representando o mundo manifesto, secundário ou derivado da criação ou geração.

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respectivamente, Árvore da Vida e Árvore do Conhecimento.

A porção inferior do hexágono, que corresponde ao triângulo inferior, é chamada de “Templo de Salomão” e é a esfera da atividade masculina. A parte superior, que corresponde à Morada de Adonai, o Senhor, é a esfera do elemento feminino, a Inteligência, que é chamada na Cabala a Filha, a Casa da Sabedoria, a Face do Sol.

Na compreensão intelectual e aplicação espiritual do significado desse hexágono, com suas atividades masculinas e femininas indissoluvelmente mescladas, reside o segredo e o método místico. Com relação a isso a Cabala diz: “Quando o santuário é profanado, quando o homem habita longe da mulher, então a serpente começa a erguer-se,

O Triângulo Superior

mostrando as nove Esferas Fixas ou Moradas dos Deuses (Principados ou Potências). E representando o mundo não manifestado e primário da emanação. Incluindo Malkuth (Manifestação), a figura representa a Árvore da Vida Sefirótica.

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e, então, pobre do mundo! Em tais dias assassinos e torturadores nascerão no mundo, e os justos serão retirados dele. Por que? Porque o homem está separado da mulher”.

23. É o reconhecimento desse caráter dual da Natureza, do feminino [ou mulher] espiritual como complemento e coroamento do masculino [ou homem] espiritual, que constitui a melhor sabedoria e a suprema glória da Igreja Católica e explica sua hostilidade intransigente à Ordem da Franco-maçonaria; pois esse sistema representa a perpetuação do judaísmo exotérico, na medida em que está relacionado exclusivamente ao triângulo inferior e à construção do “Templo de Salomão”, com a exclusão da parte superior, a esfera da “mulher”, da “cidade que veio dos Céus”, a Nova Jerusalém, ou cidade de Deus.

O conjunto todo, desde o topo até a base, está unido pela linha vertical da cruz, chamada Árvore da Vida. A linha horizontal é chamada Árvore do Conhecimento, e o Bastão de Adonai, com o qual a cidade sagrada do Apocalipse é medida.

24. Ao triângulo inferior pertencem os mistérios menores, aqueles da evolução natural. Esses foram expostos nos Mistérios Eleusianos, sob a parábola do Rapto de Perséfone, que representa a alma do mundo caindo das moradas celestiais para a materialidade, e tornando-se sujeita ao Carma ou Destino, personificado por Hécate.

As moradas da alma representadas no triângulo são sete em número (ver Fig. p. 104). As moradas dos Deuses, representadas no triângulo superior, são nove (ver Fig. p. 105). O inferior representa o mundo da geração; o superior, o mundo da emanação. Cada triângulo tem uma significação macro-cósmica e uma micro-cósmica; pois tudo que está na natureza está igualmente no homem. De modo que o “Selo de Salomão” é ao mesmo tempo a síntese e a chave do universal e do individual.

25. Ele tem doze portais, ou significados, variando de acordo com o plano em que é examinado. Em seu significado mais amplo, o triângulo superior representa o espírito; o inferior, a matéria. O superior é a eternidade, o inferior, o tempo. O superior é Deus, o inferior, a Natureza. O superior é o não-manifestado, o abstrato, o incriado, o absoluto, o primário, o real. O inferior é o manifestado, o concreto, o criado, o relativo, o derivado, o reflexo. O superior é o Céu, o Monte Sião, o Espírito Santo. O inferior é a Terra, “Jerusalém”, a Igreja Católica. Pois, como diz a Cabala: “O Espírito Santo, ou Espírito do Deus Vivo, é a substância do Universo, no qual cada elemento
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tem sua fonte primordial. Esse Espírito é Inteligência. E é através dele que as marcas do Pensamento Divino se repetem novamente em todos os mundos sucessivos, de modo que tudo que é, tanto no Céu como na terra, se mostra como a expressão de um único desígnio.”

26. Na Divina Inteligência, Binah, estão compreendidos os sete Elohim, ou Espíritos de Deus. Esses formam duas sucessões de princípios, respectivamente masculinos e femininos, os quais, com as três Pessoas da Primeira Trindade [Kether, Chochmah e Binah], constituem os dez Sefiras ou emanações Divinas do En-Soph ou Ser Original.

O lado direito do triângulo superior representa o princípio masculino, cabalisticamente chamado de Jaquim, e o esquerdo, o feminino, chamado de Boaz. O triângulo como um todo constitui o Adão-Kadmon, ou homem arquetípico. E no triângulo inferior os princípios masculino e feminino são representados por Adão e Eva.

27. O nome cabalístico do décimo Sefira, que é representado pelo ângulo inferior do triângulo inferior, é Malkuth, que, em seu aspecto mais elevado, significa a Igreja como Noiva ou Esposa do Espírito Santo, e de seu reflexo do Divino, no lado superior, é chamado de Lua, e também de Espelho.

No seu aspecto inferior Malkuth representa a esfera de Hades, a esfera das almas que, estando ainda atadas pelos elementos inferiores, são referidas como estando “aprisionadas” e “abaixo do altar de Deus”. Por conseguinte, a porção superior do hexágono denota a Igreja celestial e triunfante; a porção inferior denota a Igreja militante; e a parte do triângulo que se encontra abaixo dessa, a Igreja sofredora ou “no purgatório”.

28. Esse décimo Sefira, ou Malkut, é também chamado de o Reino. Ele de fato representa a alma em todos os seus aspectos, universais e individuais. Como o Reino ideal, ou Igreja de Deus no Céu, Malkut é todo o bem. “Tu és toda bela, Ó meu amor”, diz o Rei Divino (nos Cânticos), dirigindo-se à Sua esposa celestial, “e não há uma mácula em ti”.

Assim, a Cabala fala de Malkuth nesse aspecto como a “Rainha”, e a ela atribui todos os títulos familiares a nós na Litania mística da Virgem Santíssima: “Rainha do Céu”, “Rainha do Amor”, “Rainha das Vitórias”, “Rainha da Glória”, “Casa de Davi”, “Arco da Aliança”, “Porta do Céu”, “Virgem de Israel”, “Templo do Rei” e assim por diante.

29. Para essa “Rainha” o Espírito Santo é o “Rei”. Ambos estão contidos e emanam de En-Soph, ou Ser Original – o Espírito como pensante, a alma como o pensamento.

30. As representações herméticas ou egípcias, e as gregas
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desses arcanos estão tão completamente em concordância com a representação hebraica que é impossível decidir de qual delas a teologia mística católica foi retirada.

Os mistérios gregos possuem duas partes: os maiores e os menores, e representam, respectivamente, os segredos do triângulo superior, com a difusão do espírito na vida psíquica, e a passagem da alma através das esferas do Hades, ou mundos da criação e da evolução.

As catacumbas de Roma oferecem evidência de que os primeiros Cristãos compreenderam plenamente a natureza católica da sua religião e sua derivação dos mistérios gregos de Dionísio e Orfeu. A fragmentação e o espalhar dos restos mortais de Dionísio pelos Titãs representou, em um aspecto, a distribuição da vida Divina una entre as forças elementares da natureza com o propósito da criação de almas. E, em outro aspecto, representou o perigo incorrido pelo afastamento da parte espiritual do homem em relação à sua natureza inferior, quando a mesma não está dominada.

31. A história de Noah ou Noé, um termo bem parecido a Nous, mente, é um mito Dionisíaco ou Báquico. O vinho do qual Noah é descrito como tendo sido o primeiro produtor, corresponde ao “vinho novo de Dionísio”, o qual, sendo o Deus do planeta, esparge seu espírito, ou “sangue”, para a humanidade, e é chamado de o “Salvador dos Homens”, o “Filho Único Gerado”, o “Nascido Duas Vezes”.

Seu nascimento correspondeu àquele do sol e, por conseguinte, ao do Cristo. E foi em Sua honra como “Deus do Vinho” ou Supremo Espírito da Terra, que os frutos e os ramos de suas plantas foram usados na celebração do início do ano novo. Baco significa uma frutinha, como a uva do monte [berry].

32. Em resumo, nas “Orgias” desse Deus – cujo nome místico é Iaco [Iacchos] – é revelado por meio de uma série de representações, todo o arcano [segredo] relacionado às cláusulas do credo que aqui estão sendo consideradas. Ou seja, a emanação do Espírito Santo nos mundos inferiores, e a distribuição por toda a vida da Razão superior, representada por Noah, como o plantador do Vinhedo, ou vida sagrada dentro da alma.

Esses mistérios são complementados e completados por aqueles de Demétrio, que simboliza o descenso para a Matéria de Perséfone, Psique ou Alma, em cujos mistérios são revelados a evolução e o progresso através dos vários planos e modos da existência, do Ego individual consciente, até que, aperfeiçoado através do sofrimento ou experiência, ele é finalmente libertado da matéria e retorna à sua morada celestial.


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INTERPRETAÇÃO V (1)

33. O triângulo inferior é dividido pelas linhas em cruz da Árvore da Vida e da Árvore do Conhecimento, e também é dividido pela base do triângulo superior em sete estações ou mundos, representando as moradas da alma no universo comum ou objetivo. Essas moradas estão distribuídas em duas linhas, a primeira é descendente e a segunda ascendente, sendo que a série completa constitui a “Escada de Jacó” Cabalística.

A linha que se dirige para fora, ou que descende, é centrífuga, e a que se dirige para dentro, ou que ascende, é centrípeta. A totalidade do lado direito do triângulo – aquele à esquerda de quem observa – é a estação do elemento masculino, ou “Adão”; enquanto aquele à esquerda, à direita de quem observa, é a estação do feminino, ou “Eva”.

34. O triângulo superior, falando sinteticamente, representa o Espírito Santo, ou luz do sol celestial – a Inteligência Divina, Binah. Analogamente, o triângulo inferior, também sinteticamente considerado, é a Igreja Católica, que reflete esse sol, e por essa razão é denominada de lua. E Malkuth é o Reino. Mas quanto a isso, na sua forma plural, Malkuth tem uma significação dupla.

No triângulo superior ele é o último dos dez Sefiras e representa o Reino de Deus no Monte Sião, ou Reino eterno nos Céus. Esse é o “mar” celestial no qual se firma o pé direito do Ser Divino, conforme descrito no Apocalipse.

Em seu aspecto secundário – no triângulo inferior – Malkuth é o Reino de Deus na Terra, a “terra firme”, sobre a qual se firma o pé esquerdo do Ser Divino, conforme está descrito. Ele representa, desse modo, a Igreja Militante, ou o agregado de todas as almas que progridem. E apenas dessas almas que progridem, pois as almas em retrocesso – que por meio de uma vontade perversa seguem o caminho descendente da degeneração, ao invés da senda ascendente da evolução – não estão compreendidas na Igreja.

35. A Cabala confere um lugar proeminente aos chamados sete reis de Edom. Eles são representados no Gênesis como sete antigos reinos que antecedem o estabelecimento do reino de Israel. E na Cabala eles são representados como sete mundos, criados antes daquele habitado pelo homem, mas incapazes de duração permanente, pois Deus não desce para habitar neles, uma vez que a Imagem Divina não é assumida neles. A humanidade que assume essa Imagem – ou seja, o homem aperfeiçoado – é chamada de Israel. E os sete reis ou reinos de Edom são as sete estações
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ou mundos planetários através dos quais a alma deve passar para alcançar a perfeição, tornando-se assim “Israel”.

Esse estado é alcançado apenas quando – por meio da plena restauração e exaltação da alma à sua própria unidade com o Espírito – os princípios masculino e feminino estiverem em perfeito equilíbrio entre si.

Esses princípios são chamados de Rei e Rainha, e são, respectivamente, a Ideia Arquetípica ou “Adão-Kadmon”, que existia anteriormente à criação, bem como essa Ideia realizada na criação. E, como diz a Cabala no Book of Occultations (Livro das Ocultações) – “Até que o equilíbrio esteja estabelecido, e enquanto o Rei e a Rainha não olharem um para o outro, face a face, os sete mundos de Edom não terão permanência. Mas quando a Rainha aparecer em seu trono, então todos os sete reinos de Edom se reconstituirão em Israel e re-nascerão sob outros nomes. Pois tudo o que não é, tudo o que é e tudo o que virá a ser, é nascido do equilíbrio entre o Rei e a Rainha, olhando face a face um para o outro”.

Essa é precisamente a condição descrita por São Paulo quando diz: “Quando aquilo que é perfeito chegar, aquilo que é parcial desaparecerá. Agora vemos como em espelho, e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face.” [I Coríntios 13:11-12]

36. Esses reis de Edom – Adão, ou Terra – são, portanto, uma representação oculta dos sete progressivos domínios, esferas, planetas ou estágios através dos quais a alma passa em seu caminho à realeza celestial, no interior e para além do plano terrestre, onde o homem perfeito se torna “Príncipe”, ou “Israel”, junto a Deus.

É somente nesse estágio que a Vida Eterna é alcançada, pois somente como homem a alma finalmente conquista a imortalidade. Todos os estágios anteriores têm, na verdade, a potencialidade disso, mas eles são apenas preparatórios. A alma deve passar através deles e elevar-se acima de todos eles a fim de realizar seu destino Divino. Em razão disso, tem-se a evanescência dos sete reinos de Edom. Eles representam estágios rudimentares e embrionários no desenvolvimento do homem. E daí a declaração apocalíptica: “Os reinos desse mundo se tornaram os Reinos de Deus e do Cristo” [Apocalipse 11:15]

37. A Bíblia diz que Esaú é Edom, e o pai dos reis de Edom. Agora, Esaú é o irmão de Jacó, cuja dinastia sucede a de Edom. Assim, Esaú é uma imagem da natureza corpórea e Jacó, da vida espiritual. E os degraus na Escada de Jacó são os sete reinos temporários de seu irmão mais velho, cujos domínios Jacó está destinado – ao conquistá-los – a suplantar e suceder. Ao fazer isso e alcançar o topo, o lugar do Senhor, Jacó se torna Israel, ou “Príncipe junto a Deus”.

38. Em sua base esta escada toca o chão, e os anjos
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nela representam almas descendo para a encarnação, indo até mesmo, como diz a Cabala, ao mais baixo grau de densidade do universo – a matéria em seu estado mais denso – e ascendendo novamente ao Céu.

Ao pé dessa escada, à noite, Jacó, a alma peregrina, está adormecida, tendo por apoio uma pedra, símbolo da matéria no ponto que alcançou. Como é o lugar de maior escuridão e separação de Deus, o local é chamado de Luza, ou separação.

No entanto, a alma sabe que esse é o ponto de inversão na trajetória de sua peregrinação, e que daí em diante sua jornada é para o alto e “na direção do Oriente”.

A alma percebe que, mesmo no mais profundo abismo da matéria, não há separação real da vida e presença Divinas. E no próprio Vale das Sombras e da Morte o “bastão e cajado” [Salmo 23:4] – as Árvores da Vida e do Conhecimento, que são a Cruz de Cristo – a confortarão e a apoiarão.

Daí segue-se a exclamação de Jacó ao despertar: “Realmente, o Senhor está nesse lugar. Esse lugar não é senão a casa de Deus e o portal do Céu. (…) E ele chamou esse lugar de Betel, o qual antes se chamava Luza”. [Gênesis 28:16, 19].

39. A doutrina secreta, que é a única que pode glorificar e transfigurar essa morada sombria – o mundo material – e converter Luza em Betel, é aquela da qual toda a Bíblia é uma exposição. E é sobre a base dessa doutrina que, desde o começo dos tempos, todas as grandes religiões do Oriente e do Ocidente foram construídas – a doutrina do Gilgal Neschamoth, ou da transmigração e evolução das almas.

40. O nome Jacó é o mesmo que Iaco [Iacchos], o nome místico de Baco. E Iaco é o deus do Ordálio ou Provação, o líder das hostes de fugitivos e peregrinos, e gênio da esfera planetária. O termo Jacó também faz referência oculta à sola do pé, o órgão de locomoção, e o osso do pé era um símbolo proeminente nos mistérios de Baco.

Em muitos dos mistérios da antiguidade uma escada, contendo sete degraus ou portais, era usada para representar os sete estágios da evolução da alma através do mundo da materialidade. Tanto os mistérios egípcios como hebreus apresentavam um oitavo e final portal, acima desses, que pertence ao triângulo celestial. Esse portal, no Gênesis, é chamado de “Fanuel”, que significa a visão de Deus, face a face. [Gênesis 3:24 e Êxodo 25:18-19] (1) Ao alcançá-lo, Jacó se torna Israel.

41. Os mistérios gregos representam a existência pela imagem do rio Estige, a “filha” do Oceanus, ou água da eternidade, e chamada por alguns de “mãe” Perséfone, ou a alma, como o veículo por meio do qual ela nasce para o mundo inferior e é conduzida de casa em casa nas moradas de pouca luz.

Ao representar o Estige como tendo se originado da “décima fonte” do Oceanus, ou água da eternidade, a representação grega corresponde à representação Cabalística,
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segundo a qual a existência se deriva do décimo Sefira, Malkuth.

Sete percursos são feitos pelo Estige, cada um dos quais inclui e forma um mundo ou estação. Durante essas rondas de evolução planetária, o Estige se torna a mãe de quatro crianças, que representam, respectivamente, as quatro divisões da natureza do homem: a emocional, a volitiva, a intelectual e a psíquica. Essas têm por pai o gigante Palas, ou força elemental, pois foi com a vitória sobre ele que Atenas passou a ser chamada de Palas [Atenas]. A palavra Estige significa odioso, e denota a natureza imperfeita da existência se comparada ao puro ser. Esse “Rio da Existência” é chamado de diversas formas, que incluem: Fluido Astral, a Serpente, e Lúcifer.

42. Os sete estágios da existência constituem uma cadeia planetária, sendo que o termo planetário significa caminhada ou peregrinação. As moradas dos deuses, que pertencem ao triângulo superior, são nove em número e são chamadas de Esferas Fixas, sendo Divinas e imutáveis.

Das estações planetárias ou mundos, quatro são sutis e três são densos. Das sutis, três estão na corrente descendente e uma, na ascendente. As sete são, respectivamente: a etérea, a elemental, a gasosa, a mineral, a vegetal, a animal e a humana.

Elas não são lugares, mas condições, e na trajetória da alma nenhuma é deixada para trás, mas todas são carregadas com ela para dentro do homem, sendo, por assim dizer, uma vestida após a outra, e todas estando compreendidas no indivíduo aperfeiçoado. Pois todas têm participação na evolução da consciência.

A consciência é simples ou indivisa até que o nível mais baixo ou mineral é alcançado, o qual se encontra na base da árvore ou escada da vida. Nesse ponto ocorre o “sono profundo” de “Adão”, assim como o de Jacó. A consciência, ainda indivisa, e, portanto, não envolvendo autoconsciência, no modo mais denso da matéria atingiu o seu mínimo. A partir desse ponto se inicia aquela reduplicação ou reflexão da consciência por meio da qual ela gradualmente passa à consciência do Ser e de Deus.

43. Esse início ocorre na quinta estação, o mundo da natureza vegetal. Aqui, primeiramente, a alma torna-se coesa e constituída em uma individualidade distinta. Aqui a influência do triângulo superior – cuja intersecção com o triângulo inferior constitui essa estação – se faz sentir pela primeira vez. A partir daí a ideia de família começa a evoluir; nascimento, casamento e morte ocorrem através do despertar de uma consciência sensível, que responde aos elementos, mas não ainda aos pensamentos ou sensações e seus vários modos, tais como o amor e a tristeza. Esses atributos surgem apenas no sexto mundo, aquele da existência animal.

É nesse mundo que a capacidade de “pecar”
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se origina, e o “pecado” torna-se pela primeira vez possível. Pois enquanto o indivíduo tem apenas a consciência simples da natureza rudimentar, ele não conhece outra vontade que não a Vontade Divina expressa na lei natural, e para ele não há melhor ou pior, mas tudo é bom.

“Adão”, enquanto ainda está sozinho, não pode ser tentado, não é capaz de pecar, pois a mente sozinha não pode pecar; apenas a alma pode pecar. É pelo advento ou manifestação de “Eva” que se dá o conhecimento do bem e do mal; e é para ela, e não para Adão, que o tentador – quando por fim faz sua aparição – dirige seus ardis. O pecado de Eva não está nela mesma “comer a maçã”, mas no dar a maçã a Adão, pois isso constitui um retrocesso no caminho da evolução. Esse retrocesso se dá em relação ao ponto de polarização, ou Vida Una, que está centrada na alma, indo para trás ou para baixo, para a razão inferior. Pois o pecado consiste em um retrocesso voluntário do mais alto para o mais baixo.

A “serpente”, que tenta nessa direção, é o ser astral ou magnético o qual, reconhecendo apenas a matéria, confunde o ilusório com o substancial. Cedendo a isso, a alma cai sobre o poder da natureza inferior, ou Adão: “teu desejo [de Eva] te impelirá para Adão, e ele te dominará” [Gênesis 3:16]. Como a esposa de Ló que ao olhar para trás converteu-se numa “estátua de sal” [Gênesis 19:26] – o sal é o sinônimo alquímico da matéria. Nessa sujeição da “mulher” ao “homem”, e os resultados terríveis disso, consiste a “queda” e “maldição” de “Eva”.

O fato de que isso acarreta esses resultados mostra que tal sujeição não está de acordo com a ordem Divina, mas é uma inversão dessa ordem. A alma deve buscar sempre dirigir-se ao alto em direção à Vontade Divina, que é a do Espírito; e ao invés de buscar para baixo em direção à mente, deveria levar a mente para o alto junto com ela.

44. Mesmo na sexta estação, a última dos mundos densos e concretos – e que corresponde ao sexto “dia” da criação do Gênesis – o homem é ainda apenas um homem em formação. Para alcançar a “medida e estatura do Cristo” [Efésios 4:13], e de homem potencial tornar-se homem real e perfeito, ele deve ingressar no sétimo e último mundo de evolução cabalística, o mais alto estágio da Escada de Jacó, que é o próprio limiar do Divino.

Da mesma forma que no mundo primordial é encontrada a dualidade inicial: Prakriti e Purusha, matéria e força, não responsiva, não diferenciada, dotada apenas da consciência simples da natureza cumpridora das leis, assim também nesse sétimo estágio da humanidade aperfeiçoada é encontrada a derradeira dualidade, homem e mulher, ou Adão e Eva renovados, mente e alma.

Esse é o mundo dos semideuses e heróis da mitologia grega, dos santos da cristandade, dos Budas do Oriente. Aqui o homem
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não mais é meramente um animal superior; a natureza do animal é eliminada; sentidos novos e mais sutis substituem os velhos sentidos; a iluminação Divina e o conhecimento transcendente fecharam as avenidas das paixões inferiores e do pecado. E abaixo disso está a cabeça da serpente enganadora, esmagada sob o pé da alma reabilitada, a nova Eva. Esse é o primeiro Nirvana, ou Ressurreição.

45. Somente mais um passo, e o segundo Nirvana é galgado. “Fanuel” é alcançado e “Regina (Rainha) e Rex (Rei) olham face a face, um para o outro”. Em relação ao plano da terra e do tempo, o triângulo inferior é completamente transcendido; a seidade indissolúvel e a vida eterna são conquistadas; e a condição humana é elevada até Deus. Dessa forma é celebrado o casamento místico da Virgem Imaculada, ou Alma, com seu esposo, o Espírito Santo. Desse modo é rompido o jugo do aprisionamento de Adão; desse modo é para sempre revertida a maldição de Eva pela Ave Maria da Regeneração.


INTERPRETAÇÃO VI (1)

46. Na palestra anterior foram descritos os ciclos sétuplos do Rio Estige e a natureza dos mundos que as ondas da existência sucessivamente envolvem em sua corrente.

Perséfone, a Alma Mundana, seguiu degrau após degrau, desde o ponto de sua descida à criação material, até que finalmente emergiu das moradas obscuras do Hades, como uma rainha coroada, para o dia de plena claridade.

O triângulo inferior do Selo de Salomão – no qual todos esses processos estão simbolizados – tem tanto uma interpretação microcósmica como macrocósmica. Até o momento acompanhamos a evolução da alma do mundo no plano da natureza, passando de reino a reino, constantemente se aperfeiçoando em poder, faculdades e individualidade. Um grande sistema se desenvolveu dessa forma – um sistema repleto de ordem e razão, abrindo perspectivas de esplêndidas possibilidades, e ampliando indefinidamente o escopo do passado e do futuro da alma; mas, apesar de tudo, isso não passa de um brilhante panorama do progresso da Natureza; apenas um sistema de filosofia oculta; não uma religião feita para o espírito do homem; não uma mensagem Divina que fala ao mais íntimo de seu coração.

47. Na interpretação do aspecto microcósmico do triângulo inferior deixamos o plano da Natureza e a esfera do Ocultismo e ingressamos no universo da Alma Humana – a região com a qual
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o místico está principalmente envolvido. Pois o terreno do Misticismo, embora paralelo ao do Ocultismo, transcende e supera esse último. Para ser um ocultista é suficiente conhecer o ser humano. Para ser um místico é necessário conhecer a Cristo. Esse último sacrifica todas as coisas, mesmo o próprio conhecimento, como se isso fosse possível, pela bondade. É somente no Catolicismo do Ocidente que esses supremos Mistérios, os Mistérios da Fé do Cristo, foram reconhecidos e explanados.

48. Do mesmo modo que os mundos do aspecto macrocósmico do triângulo inferior, as estações dos mundos microcósmicos são sete. Elas representam um número igual de estados sucessivos da evolução interior da alma humana. E estão conectadas umas às outras por meio de seis estações intermediárias, representando as fases de transição da alma de uma estação para a outra.

Cada estação é um ato específico da alma, demarcando um estágio definitivamente alcançado e realizado. Essas estações intermediárias são elos, denotando a passagem de cada um desses atos para outro. E todas são aspectos da vida “de Cristo Jesus”, a qual é a síntese da vida interior da alma santificada.

49. O Misticismo é totalmente indiferente quanto aos elementos fenomênicos e históricos da religião, uma vez que ele os considera apenas como veículos e formulações de verdades espirituais. Assim sendo, o Misticismo não é afetado de nenhum modo pela crítica histórica ou científica.

Daí sua divergência com a ortodoxia convencional. Aquele que segue as convenções tradicionais adora o pão e o vinho materiais do Sacramento. O místico considera esses dois apenas como símbolos, e adora o verdadeiro – posto que espiritual – Corpo e Sangue do “Cordeiro sacrificado antes da criação do mundo”.

50. Mas embora desse modo tenha se elevado acima da necessidade de dar atenção aos aspectos históricos e externos da doutrina cristã, o Misticismo defende aquela doutrina como sendo absolutamente necessária, imutável e verdadeira, bem como essencial para a interpretação da história espiritual do ser humano. E também defende que ela se constitui num testemunho incontestável da perfeita razoabilidade e beleza da vida religiosa. Pois a evolução do universo no homem, que é atribuição do Misticismo interpretar, se constitui num paralelo preciso à evolução do universo na Natureza, que é atribuição do Ocultismo interpretar. Isso porque de acordo com o axioma Hermético: “Grande e pequeno, inferior e superior, externo e interno, todos têm uma única lei.”

51. Como temos até o momento acompanhado os passos de Perséfone, a Alma Mundana, e a temos visto evoluir através de sucessivos níveis de consciência, nas sete moradas sucessivas do mundo inferior;
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seguiremos agora os passos de Maria, a Alma Humana, associada aos Atos de seu Divino Filho e Senhor, o Cristo – os quais também são dela, por intenção e participação, visto que Cristo é o Filho da Alma, concebido através da co-operação de seu obediente livre-arbítrio com o Espírito Divino.

Cada sacrifício feito pelo Cristo é igualmente dela; e dentro e através dela Ele age, sofre e dá a Si mesmo para Deus, pelo homem.

Por essa razão, cada estação do ofício chamado de o “Caminho da Cruz” é, pela Igreja, acompanhada de uma invocação a ela cuja dádiva Ele é para a humanidade.

Cada graça e benefício que recebemos de Cristo vem a nós através dessa mística Virgem. E, portanto, na contemplação dos Atos de Cristo a Igreja sempre representa sua mãe como estando presente, e em cada um dos Mistérios da Vida Divina a invoca e a glorifica. Não fazer isso e omitir ou ignorar “Maria” seria tratar o homem em separado de sua alma.

52. O primeiro e o último dos Nove Portais ou Moradas do macrocosmo correspondem, no microcosmo, ao Rex (rei) e a Regina (rainha) do sistema Cabalista (ver Figura à p. 104).

O primeiro representa o Mistério da Anunciação (ver Frontispício). Pois ele indica a exposição da intenção Divina com relação à questão da Criação, a primeira íntima comunicação do desígnio e do método da Redenção, revelada apenas para a própria alma pelo Anjo da Iniciação. Toda a série subsequente dos Mistérios é resumida e representada na saudação: –

“Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e o chamarás com o nome de Jesus.
Ele será grande, será Filho do Altíssimo: e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, Seu pai.
Ele reinará na casa de Jacó para sempre; e o Seu reino não terá fim.” [Lucas 1:31-33]

 

53. Chegamos às Sete Estações da alma humana. A primeira, que corresponde ao primeiro mundo, ou nascimento da alma mundana no plano natural, é aquela do Nascimento do Cristo, ou acendimento da centelha Divina dentro da alma.

Isso é representado como acontecendo à meia-noite, em uma caverna; pois o período é aquele de silêncio e abstração da alma, e recolhimento do mundo externo; e o lugar é o mais íntimo recôndito de seu ser, oculto sob o plano intelectual e suas operações.

Ele está “envolto em panos”, como a própria alma está envolta na matéria, uma vez que está encerrada e apegada à mesma, e velada em símbolos e
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signos, sendo em Si mesmo impronunciável; e Ele está “deitado em uma manjedoura” como sinal da profunda humildade do coração santificado.

54. A estação intermediária que sucede à primeira é chamada a “Fuga para o Egito”. Ela representa a passagem entre o Nascimento e o Batismo, e significa o surgimento de Cristo desde as profundezas ocultas do coração – onde ele inicialmente aparece – para a vida externa do santo. Pois o Egito representa o corpo, de modo que a passagem por ele denota o efeito da regeneração interior na vida externa.

55. A segunda estação, a do Batismo, é o segundo grau de iniciação, e ocorre na idade mística de 33 anos – um período que não tem relação com o tempo, mas que depende de realizações – a idade da maturidade espiritual.

Não apenas o coração, mas também a mente é agora divinamente iluminada. O intelecto, personificado por João Batista, compreende o Filho de Deus, O consagra e O saúda como Redentor e Cristo. O intelecto não é a Luz, mas dá testemunho da Luz. E a Luz está acima de todas as coisas, estando no Princípio com Deus.

Mas no mundo o intelecto é o primeiro manifestado, e por meio dele o Cristo é reconhecido. Ele é a “voz que grita no deserto” da simples mente humana. “Aquele que se manifestará depois de mim tem precedência sobre mim”. Pois, embora a mente não seja o princípio mais elevado e mais profundo da natureza regenerada, é por meio dela que o Divino é apreendido.

A Evolução se dá do inferior para o superior, donde é necessário ser intelectualmente desenvolvido antes de poder compreender e receber inteligentemente a verdade espiritual.

A fé do místico deve estar embasada no conhecimento, e não ser fruto do consentimento mecânico ou do fervor ignorante, os quais não podem dar uma explanação racional e bem fundamentada de si mesmos. O lugar dessa segunda estação no Selo de Salomão está, portanto, no lado direito da Árvore do Conhecimento.

56. Mas a maturidade espiritual, quando assim alcançada, deve ser colocada à prova. Por essa razão a próxima estação intermediária representa a Tentação, ou provação, no deserto, no qual os apetites, os desejos e a vontade – ou, os sentidos, a mente e o coração – são um a um testados.

Para que o iniciado seja regenerado e seja qualificado ao grau e nome de “Jesus” ele deve dar prova contra a tentação em todas as partes da sua natureza.

57. A terceira estação – que ocorre na intersecção da base do triangulo superior com o lado descendente ou direito do triângulo inferior – é aquela da “Crucificação”. Por meio disso simboliza-se a completa entrega a Deus de toda a personalidade do candidato.
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Isso marca a realização do terceiro grau de iniciação, quando, tanto na mente quanto no coração, o corpo é penetrado pela graça e “traz as marcas do Senhor” [Gálatas 6:17].

58. O Cristo é agora “elevado da Terra”, ou natureza corpórea, pois a Crucificação é a Grande Renúncia, e por isso ela é chamada a Oblação do Cristo Jesus.

As “Cinco Chagas da Cruz” são os estigmas que representam a vitória sobre os cinco sentidos, bem como a regeneração dos cinco sentidos, os quais se tornaram agora polarizados a um plano mais elevado e interior, possibilitando ao homem ter conhecimento das coisas Divinas.

Esse ato é a consumação da iniciação no que diz respeito à humanidade racional. Daí a exclamação: “Consummatum est” atribuída a Cristo nesse ponto. A “Morte”, que se segue, significa a total dissolução indispensável à reconstituição no plano superior, ou transmutação ao estado Divino.

Essa completa dissolução e desintegração do homem natural liberta o Divino dentro dele, e o deixa livre para manifestar sua Natureza Divina. Essa é a estação inferior, o ponto mais baixo do triângulo inferior, a base da Árvore da Vida.

O lado descendente à direita desse ponto é a linha da tristeza e do sofrimento. O lado que ascende dele, à esquerda, é a linha da alegria e do triunfo. Os gregos representavam o Estige, ou Rio da Existência, ao alcançar esse ponto de inflexão, como trazendo à luz quatro crianças, que são, respectivamente, o Zelo, a Vitória, a Bravura e o Poder; os quais, unidos aos poderes celestiais, derrotam os Titãs, ou forças elementais da Natureza que, assim subjugados, são eles mesmos os deuses do homem não regenerado, ou inimigos e rivais do Divino. A conquistadora desses “gigantes” é Palas Atenas, a “Rainha do Ar”, que representa a contraparte, na razão superior humana, do Logos Divino. Ele é a virgem, ou razão pura das coisas mundanas.

59. A parte do triângulo inferior que reside totalmente abaixo do superior representa o Vale das Sombras e da Morte, e a ela pertencem os três estágios da morte, sepultamento e estadia da alma no Hades.

Indo além desse vale em seu caminho para “Salém”, a alma atinge o quarto grau de iniciação, e a quinta das estações, onde a natureza espiritual é afirmada e glorificada, e o dom final do poder é alcançado. Pois a vontade humana está agora unida à Divina, e “todo o poder no Céu e na Terra” é dado a ele; o poder de Deus torna-se o poder de Cristo, o Qual, como disse Paulo: “embora Ele tenha sido crucificado por meio da fraqueza, mesmo assim viveu pelo poder de Deus” [Coríntios 13:4]. Essa união
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das duas naturezas investe a humanidade de Divindade, e demonstra que o homem, quando regenerado, é o filho de Deus; como Paulo diz, mais uma vez: “Deus, ressuscitando Jesus dos mortos, cumpre com o dito no segundo Salmo: ‘Tu és Meu Filho, neste dia eu gerei a Ti” [Atos 13:33].

60. Esse ato da Ressurreição é, desse modo, o selo da iniciação espiritual, a manifestação do quarto e Divino elemento do reino humano. A reintegração e reconstituição da seidade humana de acordo com o padrão celestial está agora completa. O ouro alquímico emerge purificado e resplandecente da fornalha ardente, na qual seus elementos constituintes foram dissolvidos, segregados, sublimados e repolarizados. “E a forma do quarto [elemento] é como a do Filho de Deus.” O dia em que essa ressurreição ocorre é o “dia do Senhor”, um dia de triunfante regozijo, em distinção ao dia do Sabá, ou o dia do descanso.

61. A estação intermediária seguinte é a dos quarenta dias de estadia na Terra, um período de transição que corresponde aos quarenta dias de jejum no deserto, sua contraparte na linha descendente do triângulo. Mas ainda que a harmonia entre o Divino e o humano esteja completa, e o Shekinah dentro do homem esteja desvelado e todo o seu tabernáculo esteja preenchido da glória de Deus, ele está ainda “sobre a Terra”, ainda não “ascendeu ao Pai”.

Com isso deve-se entender que, embora o último grau de iniciação tenha sido alcançado, e o homem tenha se aperfeiçoado em sua própria Seidade interior, e unificado com o Deus interno, ele ainda tem de ascender à união com o Deus externo – o Deus universal, a Divindade macrocósmica e onipresente – e misturar sua luz individual com a pura luz branca do Supremo. Portanto, do mesmo modo que no Mistério da Ressurreição Deus é glorificado no Filho do Homem, o Filho do Homem é glorificado em Deus no Mistério da Ascensão. “Pois o Pai é maior que o Filho.”

62. Entre a sexta e a sétima mansões da Vida Perfeita se encontra a estação intermediária da glorificação no Céu, um estado de perfeito repouso ao invés de um estado de transição, quando, tendo transcendido a condição de conhecer, a alma passa à de ser, e é tudo aquilo o que anteriormente sabia existir dentro de si como potencial.

E em seguida vem o Sétimo Portal manifestado, ou estação, a “Descida do Espírito Santo”, ou emanação dos efetivos méritos da alma santificada ao “mundo das causas”. Pois, de uma maneira mística, a alma ascensa se torna ela mesma criativa, e renova a face da terra. E, em suas respectivas gradações, os méritos do santo são
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eficazes para a redenção do mundo, sendo sua vontade unificada com a vontade Divina, de modo que o espírito emanado da alma aperfeiçoada não é outra coisa do que o próprio Espírito de Deus.

63. Portanto, na sétima mansão da vida sagrada contempla-se o homem ascenso tornar-se, por assim dizer, um ponto de graça radiante, renovando os mundos por meio do esplendor da Vida Una que nele habita.

Liberto dos liames da Forma e o Tempo, ele agora aparece como a causa de libertação para os outros. O Espírito que avança, através e a partir dele, exala a renovação sobre os lugares desolados da Terra, e assim os méritos do justo feito perfeito tornam-se para o mundo metas morais e energias determinantes, operando sua purificação e libertação. Assim é completada a Apoteose do Ego humano, com seus quatro graus de iniciação e seus sétuplos portais de graça, dramatizados nos Atos do Senhor na Terra.

64. Finalmente, ao deixar completamente o plano do triângulo inferior, alcançamos a segunda das Moradas Divinas, o supremo e último Ato de Cristo no reino celestial. Trata-se do Mistério do Julgamento Final.

Na primeira dessas Moradas – a Anunciação – observamos a intenção Divina projetando o drama da grande obra, a obra da Redenção. Na segunda – o Último Julgamento – o trabalho consumado é revisado e pesado na Balança Celestial, a Ideia e a Realização são colocadas face a face, tendo em um dos lados o Anjo Gabriel, com seu lírio, e do outro Miguel, com sua trombeta e espada. Aqui a Virgem ajoelha-se com humildade e obediente expectativa; então seu Filho aparece em Seu trono, vitorioso e glorificado, julgando os vivos e os mortos.

65. Através deste Portal do Julgamento todos os atos e obras do santo devem passar. Nada deve ficar no Principium que não seja inteiramente Divino. A Ideia de Deus na Anunciação é o Alfa, em relação ao qual a Realização no Julgamento, e consequente Assunção, é o Ômega. Eles são o Rex e a Regina Cabalísticos. E ambos, Começo e Fim, Primeiro e Último, estão acima e para além dos mundos do Tempo e da Forma, pois pertencem ao Uno que senta no Trono da Mística Luz Branca, e cuja face a Terra e o Céu não conseguem observar.


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INTERPRETAÇÃO VII (1)

Sanctorum communionem

(A comunhão dos santos).

66. O conjunto de exposições sobre o Credo, feitas na Sociedade Hermética no ano passado [1884], apresentou – desde um plano interno e místico – os dogmas da fé cristã, mostrando que uma reta crença acerca dos mesmos é necessária para a salvação. E mostrando, também, que somente ao perceber nos atos da alma os atos do Cristo é que a teologia pode tornar-se uma ciência aplicada e um instrumento da graça.

Passo a passo foram examinados os nove grandes eventos da missão de Cristo como Redentor e Senhor, iniciando com a Anunciação e concluindo com o Julgamento Final, sendo que todos esses Estágios e seus Intermediários foram apresentados como representando os vários estágios do progresso e da evolução internos ao longo da vida de santidade.

67. Esse método espiritual de interpretação sempre foi adotado pelos místicos da Igreja, o que fez com que a fé se tornasse para eles conhecimento, que a tradição se convertesse em experiência e que, compreendendo o Cristo segundo o espírito, eles próprios se batizassem com Seu batismo, tomassem de Seu cálice e ascendessem com Ele, em coração e mente, ao Reino Celestial da vida interna.

68. O nono artigo do Credo dos Apóstolos, a Comunhão dos Santos, interpretado nesse mesmo espírito, é um dos que possui maior importância e relevância. Esse artigo se constitui na ligação existente entre a Igreja visível e a Igreja invisível, e implica a inter-união e inseparabilidade dos triângulos superior e inferior do Hexagrama sagrado, ou “Selo de Salomão”, o qual – desde esse plano [interno e místico] – simboliza a eterna presença do Espírito Santo dentro e sobre a Igreja, a união indissolúvel da natureza Divina com a Humana e, assim, a completude e o aperfeiçoamento da existência terrena e material por meio da imanência do mundo eterno e refulgente.

69. A Igreja, assim simbolizada, tem três divisões: a celestial, a terrena e a relativa ao purgatório; ou, almas em beatitude, almas em conflito e almas em penitência, ou “na prisão”.

A Igreja superior ou celestial compreende, primeiramente, todos os homens justos que se tornaram perfeitos, os espíritos e almas de retidão, que alcançaram a Ascensão do Cristo e passaram para o descanso do Senhor.
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E em seguida, logo acima dessa parte, todos os anjos, tronos, principados, domínios e poderes pertencentes à criação dos Deuses ou emanações, os querubins, serafins e sefiras; e por último, bem no ápice, a própria Deidade. Essas são as três partes do triangulo superior.

70. O triângulo inferior, que representa a Igreja terrena, compreende, enumerando de cima para baixo: primeiro, todo o corpo dos eleitos na terra, que foram instruídos nos mistérios de Cristo e incluídos na revelação da Cruz; em seguida, todos aqueles que, sendo de qualquer nação ou credo, alcançou o conhecimento desses mistérios por meio da iniciação interna, mas não estão em aberta comunhão com a Igreja visível.

Por último, na região, ou condição, representada pela seção mais baixa do triangulo inferior, estão as almas aprisionadas, aquelas que, não tendo alcançado ainda a consciência das coisas espirituais, estão em um estado, não de graça, mas de pecado, e estão passando pela experiência e purgação necessárias à sua salvação.

71. A Comunhão dos Santos é o laço de solidariedade pelo qual todas essas divisões da Igreja universal se ligam e sustentam uma a outra através de caridade mútua.

A doutrina cristã insiste que nenhum homem vive ou morre somente para si. Os méritos dos santos são todos preces que se dedicam às almas de todos os que desejam ajuda e libertação.

O sacrifício de Cristo se estende a todos os que exemplificam e participam de Cristo; e todas essas almas, de acordo com o seu grau, tornam-se uma fonte de graça fluindo sobre o mundo como emanações espirituais benignas, um veículo para a transmissão da luz e vida Divinas, que são de Cristo.

Os justos são assim apropriadamente comparados com a lua e com os planetas no firmamento celestial. Eles iluminam a terra em virtude da glória refletida e duplicada que eles obtêm do sol central. E todo homem santo e sábio é uma inequívoca conquista para o mundo.

72. Essas influências Divinas ocultas são atraídas especialmente para as almas afins a elas, as quais possuem um conjunto de tendências que estão na mesma direção, e que estão unidas em intenção com a energia em particular que elas emanam.

Os méritos de um São Francisco de Assis podem encorajar notavelmente a uma dada pessoa. A vitória de uma Santa Maria Madalena, ou de uma Santa Agnes, podem encorajar a outras. Alguém pode adquirir forças e luz através da influência de um tipo quieto e humilde de santidade; e um outro pode adquiri-las através da poderosa influência de um São George, de um São Miguel, ou do corajoso profeta que foi uma voz clamando no deserto.

Não que a graça assim transmitida seja
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necessariamente derivada daqueles que foram reconhecidos e canonizados pela Igreja. Mesmos esses são apenas grupos representativos de espíritos resolutos e vitoriosos que formam tantas constelações no firmamento místico como há níveis de virtude e de graça, e pontos focais de refulgência celestial, para a formação dos quais todas as eras e religiões contribuíram.

Um Hermes, um Buda, um Pitágoras, um Sócrates, um Daniel, uma Hipátia, uma Joana D’Arc – cada um deles em seu lugar e grau – não apenas deixam um rastro de brilhante radiação em nosso céu quando passam em seu caminho para se unirem à hoste triunfante, mas também continuam, cada vez mais, como uma potência real, positiva e energizante, para reforçar e sustentar a corrente de sua influência.

73. Não existe outra força senão a força de vontade, e a oração é a mais potente, sutil e concentrada forma de força de vontade, e quando exercitada por almas nas quais toda a energia está polarizada e focada em seu emprego, ela alcança sua mais alta eficácia.

A oração fervorosa do santo, portanto, é grandemente benéfica. Sua intenção, unida à vontade Divina, torna-se um poder operador de milagres. Não que a lei natural cesse ou que seja suspensa por ela, mas ela se constitui numa atividade superior da lei natural, precisamente como a atração magnética constitui uma atividade superior do que aquela manifestada na força da gravidade.

Para exercer tal força em seu modo mais elevado, as energias mentais e psíquicas devem ser impedidas de serem dissipadas no mundo, e devem ser assiduamente cultivadas e aumentadas por meio da vida retirada e da contemplação religiosa.

Quando a energia ativa do indivíduo é concentrada em uma acúmulo polarizado, ela se torna, por assim dizer, um ponto radiante, emitindo luz e força de uma ordem especial e miraculosa. Assim é o santo que, habitando na terra ou tendo partido dela, é uma fonte de graça, e um centro de poder vitalizante, distribuindo energia Divina para a humanidade.

74. O corpo constituído pela união grupal da Igreja é uma união de orações, de boas obras, de graça sacramental e de atos meritórios. Os membros do corpo de Cristo não podem fazer nada sozinhos. Toda prece e todo ato em favor do próximo e em nome de todos, não de forma vicária – como substitutos um do outro, pois isso seria subversão da justiça – mas eucaristicamente, por meio de uma troca e de uma comunhão de bênção e graça.

Dessa maneira as almas se beneficiam umas as outras, e dão e recebem bênçãos e auxílio, tanto entre os vivos como entre os mortos. Não com lamentações e prantos, portanto, é que devemos rememorar nossos mortos, pois essas coisas paralisam e perturbam, mas com preces, sacrifícios e atos de união Divina realizados em memória e em favor deles,
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desejando sinceramente para eles a consolação e a unificação com Deus. Pois a morte do corpo não constitui nenhuma barreira entre uma alma e a outra. O amor não morre com a morte.

75. Esse é um aspecto da Comunhão dos Santos, em sua relação com a Igreja, em seus três níveis, nos mundos do tempo e da eternidade. Mas o santo também tem relações especiais com Deus e com outros santos. Essas são fases da doutrina que é familiar tanto aos místicos do Oriente como do Ocidente.

A Comunhão dos Santos com Deus consiste na relação mantida pela alma sagrada com o ambiente celestial. A condição de qualquer alma em particular é determinada pela capacidade que ela desenvolve de se corresponder com seu meio ambiente. Quanto mais limitada essa correspondência, mais baixo é o nível da alma na economia do universo. O homem não espiritual responde apenas ao ambiente limitado do mundo externo e inferior, e não é capaz de reconhecer qualquer coisa além desse mundo. Ele está morto para a relação com todos os ambientes mais amplos e mais elevados.

Assim como para a criatura sem olhos a luz e a sua beleza não existem, assim também para o homem sem percepção espiritual o mundo espiritual e a revelação do Divino não existem. “Estar apenas interessado no que é carnal é morte”. Mas quando a alma se eleva para a relação com o espiritual e desenvolve o conhecimento e a experiência do meio ambiente Divino, ela alcança a comunhão que a relaciona diretamente a Deus – a Comunhão dos Santos.

Nessa condição sagrada todas as formas e modos de conhecimento se fundem na união real com o Divino. A mais elevada de todas as realizações é o transcender o conhecimento de algo por ser aquilo; trocar a consciência das coisas externas pela consciência da essência interna, e assim fundir a seidade finita do homem com a seidade infinita da Deidade, de modo a perceber através de verdadeira experiência as palavras do Credo de Atanásio: “Uno pela elevação da condição humana até Deus”. Pois a Comunhão dos Santos e suas comunicações estão no Céu; o meio ambiente ao qual eles respondem é o Pleroma Infinito; os laços da seidade limitada são quebrados, e emancipação e apoteose são alcançados. Deus é o meio ambiente do santo.

76. A comunhão dos santos uns com os outros segue-se da sua comunhão com Deus. Eles têm todas as coisas em comum porque tudo o que possuem é Deus. No ponto mais elevado da pirâmide da vida religiosa há uma única pedra e essa pedra é o Amor Divino.

Esse é o ponto central do universo em direção ao qual todos os caminhos convergem. Almas sagradas para lá se dirigem por meio de muitas estradas, mas todas estão peregrinando para o mesmo templo.

A derradeira expressão da vida santificada, a aspiração final
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do coração santo é sempre uma, quer a busquemos na Vedanta, no Islã, na iluminação Hermética, ou no misticismo Católico. A escola Alexandrina do pensamento grego foi, do mesmo modo que as teosofias orientais, permeada pela sede espiritual pela união com o Uno e Eterno. As Enéadas de Plotino perduram para sempre como um monumento da séria determinação por esta meta.

O mesmo espírito deu fervor religioso às mais nobres mentes da era cristã. A paixão mística pelo Infinito que sempre persegue a alma humana, e que foi proclamada por Agostinho na declaração: “Vós nos fizestes, Ó Senhor, de Vós mesmos, e não podemos descansar até retornarmos para Vós”. Essa afirmação ressoa igualmente nos hinos védicos, nos clamores de Thomas Kempis e de Jeanne Guyon, nos sermões de Tauler e Eckhart e nos pensamentos dos escritores da “Germanica Theologia”, e assim também ressoa em cada profeta devotado, em cada poeta e visionário devotado de todos os tempos e regiões.

77. É através da Pobreza do espírito mencionada nas Beatitudes que essa união é alcançada. Como disse um místico dos Sufis: “A pobreza é o tesouro dos santos. Pois até que um homem se dispa absolutamente de todas as coisas externas, de todas as sensações e conhecimentos sensoriais e ilusórios, ele não pode possuir a riqueza da excelência interior e oculta. A união com Deus é impossível em sua completude enquanto permaneça qualquer coisa no aspirante que obstrua a imersão da alma na Seidade Divina”.

“O segredo do místico”, diz São Dionísio, “é o segredo de tirar ou subtrair; o caminho da alma sagrada é a via negativa”. E nos Upanishades lemos: “Que o santo repita três vezes: ‘renunciei a tudo’”.

78. Foi um sufi da tradição islâmica que escreveu o seguinte belo ensinamento: “Uma pessoa bateu à porta da casa do Bem Amado, e uma voz lá de dentro disse: ‘Quem está aí?’ O amante respondeu, ‘Sou eu.’ A voz respondeu: ‘Essa casa não abrigará eu e tu’. Assim, a porta permaneceu fechada. O amante se retirou para o deserto e passou o tempo em solidão, meditação e oração. Um ano se passou; então ele retornou e bateu novamente na porta. ‘Quem está aí?’ disse a voz do Bem Amado. O amante respondeu: ‘És tu’. E então a porta se abriu”.

79. A Verdade, tal como o Santo a conhece, é inteiramente espiritual. Pois ele contempla o primário onde outros percebem apenas o secundário. Ele reconhece a suprema verdade de que o real e absoluto não conhece nenhum passado, e que a salvação é algo independente de catástrofes.

O que é primário na Intenção Divina é sempre o espiritual, e em relação a esse o fenomênico e temporário é tão somente o veículo ou
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modo de dispensação. No seu devido tempo, o fenomênico e temporário deve ser posto de lado a fim de que o espiritual possa ser estabelecido.

A realidade de Deus não pode ser confinada ou expressada dentro de qualquer persona ou qualquer série de acontecimentos. Ela transcende todas as apresentações, seja de pensamento ou de vida. Para a alma, seu ideal é igualmente verdadeiro, quer já realizado ou não.

A Divina Encarnação, para ser uma manifestação do Infinito, deve consistir de uma progressão sem fim. Quando o homem tiver se fatigado quase ao desespero quanto às tentativas fúteis de conquistar e estabelecer a verdade no plano dos sentidos e dos fatos, se ele for digno e fiel, Deus lhe revela o plano mais elevado do que é noumênico e Divino, que é unicamente onde a verdade eternamente habita.

Então ele percebe que as coisas que ele antes via como essenciais são apenas sacramentais, um véu elementar, preservando e encobrindo do contato e do gosto vulgar o adorável Corpo e Sangue do Senhor. Pois, na verdade, todas as fórmulas e funções religiosas são sacramentais; e todos os conhecimentos teológicos são relativos.

A Igreja terrena é o grande Apresentador, revelando em imagens a sabedoria que está oculta. E somente quando a graça interior e espiritual é alcançada é que o signo externo e visível é conhecido quanto ao seu real valor.

De acordo com os místicos islâmicos, todas as religiões do mundo são como o mesmo vinho, apenas guardado em diferentes vasilhames. Quando esse vinho é derramado por Deus em um grande cálice, as religiões, então, se tornam indistinguíveis.

80. Encontrar essa verdade interna e única, realizar Cristo na alma, crucificar a vontade humana, queimar todas as paixões mundanas no fogo do amor Divino, elevar-se a uma nova vida, ascender além de todos os céus, e habitar no lugar secreto de Deus – essas operações Divinas são indispensáveis para o místico e para o santo –esse processo é o único meio para alcançar a meta de toda aspiração: – a união com Deus.

Nesse amor transcendente a Deus o amor aos irmãos é desenvolvido e desabrochado. O santo está em comunhão com a Igreja no Céu e na terra, porque ele está em comunhão com Deus.


NOTAS

(94:*) N.T.: Essa numeração indica as páginas no original, em inglês.
(94:1) Resenha de Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 12 de junho de 1884, para a Sociedade Hermética, publicada em Light, 21 de junho de 1884, p. 254, onde se afirma que:
“A palestra, que teve uma hora de duração, tratou da origem, simbolismo e interpretação da doutrina religiosa em geral, e do significado esotérico da passagem de abertura do Credo em particular, mostrando em uma profunda exposição metafísica a falácia envolvida na concepção antropomórfica convencional da deidade, e a necessidade de um sistema racional de pensamento quanto a um substrato para o universo que seja ao mesmo tempo inteligente e pessoal, ainda que em um sentido diferente daquele que é comumente atribuído ao termo; a personalidade Divina sendo aquela, não da forma externa, mas da consciência essencial; e a criação, que é a manifestação, sendo devida não à ação externa, mas à perpétua presença e operação Divina desde o interior: ‘Deus Pai’ sendo, no sentido esotérico e verdadeiro, a Substância e Vida original não diferenciada do universo, porém não limitada pelo universo, e Ele mesmo a potencialidade de todas as coisas.
O relato também informa que no encerramento da palestra Anna Kingsford “apresentou algo sobre o método de iluminação pelo qual os conhecimentos Divinos são obtidos, e disse que em conversas recentes com iniciados devidamente instruídos do Oriente a convenceram a respeito da identidade dos sistemas religiosos do Oriente e do Ocidente.” – Samuel Hopgood Hart.
(94:**) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.
(95:1) Assim sendo, ao falar da literatura grega de Hermes Trismegistos, o Sr. G.R.S. Mead diz:
“A teoria do plágio do Cristianismo deve ser abandonada de uma vez por todas.
Os Padres (Pais) da Igreja apelaram para a autoridade da antiguidade e para uma tradição que nunca tinha sido questionada, com o propósito de mostrar que eles não ensinavam nada de essencialmente novo – que, em suma, eles ensinavam, quanto aos pontos fundamentais, aquilo que Hermes já havia ensinado. Eles viveram numa época muito próxima daquela tradição para se aventurarem a fazer qualquer acusação de plágio ou falsificação contra essa tradição sem se exporem a uma categórica contestação por homens que ainda eram ouvintes da “voz viva” dessa tradição e estavam de posse de sua ‘palavra escrita’.
Os estudiosos da Renascença naturalmente seguiram a tradição invariável da antiguidade, confirmada pelos Padres (Pais) da Igreja.
Gradualmente, contudo, percebeu-se que, se antiga tradição fosse aceita, a originalidade fundamental das doutrinas cristãs em geral – isto é, as bases filosóficas da Fé, em distinção aos dogmas históricos que lhe são peculiares – não poderia mais ser sustentada. Tornou-se, portanto, necessário desacreditar e refutar a tradição antiga por todos os meios possíveis.” (Hermes Trismegistus, Vol. I. pp. 43 e 45-46.) – Samuel Hopgood Hart.
(96:1) Resenha de Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 19 de junho de 1884, para a Sociedade Hermética, publicada em Light, em 28 de junho de 1884, p. 265, onde se afirma que “a palestra foi seguida por uma conversa de interesse fora do comum, na qual um grande número de membros e visitantes participaram, sendo o ponto principal da discussão a extensão em que as narrativas do Evangelho representam uma real história pessoal, e o grau de importância devido a uma personalidade histórica, se tal personalidade existiu.” – Samuel Hopgood Hart.
(98:1) Para saber mais sobre o assunto ver a Iluminação de Anna Kingsford Concerning the Christian Mysteries (A Respeito dos Mistérios Cristãos) na obra Clothed With the Sun (Vestida Com o Sol), Parte I, No. XLVIII. – Samuel Hopgood Hart.
(98:2) Resenha de Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 10 de julho de 1884, para a Sociedade Hermética, e publicada em Light, em 19 de julho de 1884, pp. 294-295. – Samuel Hopgood Hart.
(98:3) Os Quinze Mistérios da Vida da Santíssima Virgem Maria são os seguintes: –
(a) Os Cinco Mistérios Gozosos:
1. A Anunciação ou Saudação do Anjo.
2. A Visitação.
3. O Nascimento de Nosso Salvador Jesus Cristo em Belém.
4. A Apresentação do Abençoado Senhor no Templo.
5. O Encontro do Menino Jesus no Templo.
(b) Os Cinco Mistérios Dolorosos:
A Prece e Suor de Sangue de Nosso Abençoado Salvador no Jardim das
Oliveiras.
A Flagelação de Nosso Abençoado Senhor no Pilar.
A Coroação de Espinhos de Nosso Abençoado Salvador.
Jesus Carregando a Cruz.
A Crucificação e Morte de Nosso Senhor.
(c) Os Cinco Mistérios Gloriosos:
1. A Ressurreição de Jesus Cristo.
2. A Ascensão Jesus Cristo aos Céus.
3. A Descida do Espírito Santo na Virgem Santíssima e nos Apóstolos.
4. A Assunção da Santíssima Virgem Maria aos Céus.
5. A Coroação da Santíssima Virgem Maria no Céu e a Glória de todos os Santos. – Samuel Hopgood Hart.
(101:1) A palavra “Planeta” significa “Caminhante”. “Todos os mundos da Criação”, diz Anna Kingsford, “são cenários de Peregrinação ou de Jornada. (…) Um Planeta é, portanto, em terminologia oculta, nada mais nada menos do que uma Estação. A Alma passa de um para o outro ao longo de toda a cadeia de sete Mundos (ou Estações), em sequência”. (The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), Vol. II, p. 182, e veja a ilustração na p. 104, mais adiante.) – Samuel Hopgood Hart.
(102:1) O relato diz que “Numerosos exemplos foram dados como prova da identidade existente entre os modos de pensar hebraico e grego com relação ao lado oculto da existência. Isso demonstra sua origem comum em uma gnose universal, e corrige, portanto, o erro cometido até então por eruditos em relação aos sistemas grego e judaico como sendo diferentes e incompatíveis, um em relação ao outro. E o Novo Testamento foi apresentado aplicando ao indivíduo, processos espirituais representados no Velho Testamento como ocorrendo para Israel como um todo.” – Samuel Hopgood Hart.
(104:1) Resenha feita por Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 17 de julho de 1884, para a Sociedade Hermética, e publicada em Light, 26 de julho de 1884, pp. 302-303.
O capítulo em The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford) que oferece algumas das “Meditações sobre os Mistérios” de Anna Kingsford traz consideráveis explanações adicionais sobre assuntos muito profundos, tratados nessa e nas duas palestras seguintes (ver The Life of Anna Kingsford, vol. II, pp. 173-184). –  Samuel Hopgood Hart.
(109:1) Resenha feita por Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 24 de julho de 1884, para a Sociedade Hermética (em continuação à palestra anterior), e publicada em Light, 2 de agosto de 1884, pp. 313-314.
(111:1) N.T.: Fanuel é o nome dado a um quarto Arcanjo no Livro de Enoch, além de Miguel, Rafael e Gabriel. Seu nome significa “a face de Deus” (1 Enoch 40:9).
Fanuel tem sido identificado, entre outros, com Uriel. Uriel, no hebraico “chama de Deus”, é um dos arcanjos da tradição rabínica pós-exílio, bem como de algumas tradições cristãs.
Dos sete arcanjos do judaísmo pós-exílio, apenas três (Gabriel, Miguel e Rafael) são mencionados pelos nomes nas escrituras que gradualmente foram aceitas como canônicas. Os outros quatro, contudo, são nomeados no século II a.C., no Livro de Enoch capítulo XXI: Uriel, Ithuriel, Amitiel e Baliel, que intercedem perante Deus pela Humanidade.
Uriel é frequentemente identificado como o querubim que “permanece junto às portas do Éden com uma espada ardente”, ou como o anjo que “preside à tempestade e ao terror” (no Primeiro Livro de Enoch). No Apocalipse de Pedro aparece como o Anjo do Arrependimento. Em Vida de Adão e Eva Uriel é representado como um dos querubins referido no terceiro capítulo do Gênesis.
Na tradição apocalíptica, é ele quem deterá a chave que abrirá o Inferno no Final dos Tempos.
Na moderna angiologia cristã – ainda que de uma forma marginal – Uriel é identificado por vezes como Serafim, Querubim, Regente do Sol, Chama da Deus, Anjo da Presença Divina, Arcanjo da Salvação, presidindo sobre o Tártaro (Inferno). Em escrituras mais recentes é, mesmo, identificado com Fanuel – a “Face de Deus”. É descrito frequentemente como trazendo consigo um livro ou rolo de papiro, simbolizando a sua sabedoria. Uriel é ainda o anjo patrono das artes e foi descrito por Milton como o “espírito de visão mais arguta de todo o Céu”.
(114:1) Resenha feita por Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 31 de julho de 1884, para a Sociedade Hermética (em continuação à palestra anterior), e publicada em Light, 16 de agosto de 1884, pp. 333-334.
(121:1) Resenha feita por Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 1º de julho de 1885, para a Sociedade Hermética, e publicada em Light, 11 de julho de 1885, pp. 330-331.
[Anna Kingsford. The Credo of Christendom: and Other Addresses and Essays on Esoteric Christianity. (O Credo do Cristianismo: e Outras Palestras e Ensaios sobre o Cristianismo Esotérico). Anna Kingsford e Edward Maitland. Editado por Samuel Hopgood Hart. John M. Watkins, Londres, 1916. 256 pp.]