(A) Falecida Dra. Anna Kingsford – Obituário (1)

“É com o mais profundo pesar que anunciamos neste mês a passagem deste mundo físico de alguém que, mais do que qualquer outra pessoa, auxiliou seus semelhantes em demonstrar o grande fato da existência consciente do Ego interior – e, por conseguinte, da sua imortalidade.

O campo de atividade da Sra. Kingsford, contudo, não se limitou ao plano da vida puramente física e mundana. Ela foi uma Teosofista e uma verdadeira Teosofista em seu coração; uma líder do pensamento espiritual e filosófico, dotada dos mais excepcionais atributos psíquicos. Em conjunto com o Sr. Edward Maitland, seu mais verdadeiro amigo – cujos cuidados incessantes indubitavelmente prolongaram por vários anos sua vida delicada e sempre ameaçada, e que recebeu seu último suspiro – ela escreveu várias obras tratando de temas metafísicos e místicos. A primeira e mais importante delas foi The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), que dá o significado esotérico do Cristianismo. Essa obra esclarece muitas das dificuldades que os leitores sérios da Bíblia enfrentam em seu esforço de compreender ou aceitar literalmente a história de Jesus Cristo conforme é apresentada nos Evangelhos.

Ela foi durante algum tempo Presidente da “Loja de Londres” da Sociedade Teosófica, e, após renunciar ao cargo, fundou a “Sociedade Hermética” para o estudo especial do misticismo cristão. Embora suas ideias religiosas tenham diferido amplamente em alguns pontos da filosofia do Oriente, ela permaneceu uma fiel associada da Sociedade Teosófica e uma leal amiga de seus líderes. (2) Era alguém cujas aspirações de toda a vida estiveram sempre voltadas para o eterno e o verdadeiro. Uma mística por natureza – e das místicas mais vigorosas para aqueles que a conheceram bem – ela era, ainda assim, uma mulher marcante mesmo na opinião dos materialistas e dos incrédulos. Além de sua face extraordinariamente fina e intelectualizada, havia nela aquilo que chama a atenção dos mais desatentos e alheios a qualquer especulação metafísica. A Sra. F. Fenwick Miller escreveu que o misticismo da Sra. Kingsford era “simplesmente ininteligível” para ela, porém isso não a impediu de perceber a verdade, uma vez que ela assim descreve sua falecida amiga: “Jamais conheci uma mulher tão extraordinariamente bela como ela, que cultivasse seu cérebro de forma tão intensa. (…) Nunca conheci uma mulher em quem a natureza dual, que é mais ou menos perceptível em todo criatura humana, fosse tão fortemente marcante – tão sensual, tão feminina de um lado, tão espiritualizada, tão imaginativa de outro”. (3)

A natureza espiritual e psíquica sempre predominou sobre a sensual e feminina; e o círculo de seus amigos com inclinações místicas sentirá muito sua falta, pois mulheres como ela não são numerosas num mesmo século. O mundo em geral perdeu na Sra. Kingsford alguém que não pode ser facilmente substituído nessa era de materialismo. Toda a sua vida adulta foi empregada para trabalhar inegoisticamente pelos demais, para a elevação do lado espiritual da humanidade. Podemos, contudo, ao lamentar sua morte, nos confortar com o pensamento de que o bom trabalho não pode ser perdido e nem morrer, ainda que o trabalhador não esteja mais entre nós para ver seus frutos. E o trabalho de Anna Kingsford ainda estará dando frutos mesmo quando sua memória tiver sido obliterada com a passagem da geração dos que a conheceram bem, e quando novas gerações tenham se aproximado mais dos mistérios psíquicos.” (4)

NOTAS
(1) Nota do Editor do Site Anna Kingsford: Grifo nossos. Esse obituário, The Late Mrs. Anna Kingsford, M.D. (A Falecida Dra. Anna Kingsford), foi publicado em H.P. Blavatsky Collected Writings (Obras Completas de H.P. Blavatsky), Vol. IX, pp. 89-91. TPH, Madras, Índia, 1962. 487 pp. E foi originalmente publicado na revista Lucifer, Vol. II, nº. 7, março de 1888, pp. 78-79.
(2) Nota original: Tanto o Sr. Maitland quanto a Sra. Kingsford desligaram-se da “Loja de Londres da Sociedade Teosófica”, mas não da Sociedade-Mãe.
(3) Nota do Compilador de H.P. Blavatsky Collected Writings: “Woman: Her Position and Her Prospects, Her Duties and Her Doings”, Lady’s Pictorial, Londres, 3 de março, 1888.
(4) Nota original: A afirmação feita por alguns jornais de que a Sra. Kingsford não confiou até o final na força psíquica, pois “morreu Católica Romana”, é totalmente falsa. As afirmações presunçosas feitas por R.C. no Weekly Register (3 e 10 de março de 1888) no sentido de que ela morreu no seio da Igreja, tendo abjurado de seus pontos de vista, de seu psiquismo, da teosofia, e até de seu livro The Perfect Way (O Caminho Perfeito) e de seus escritos em geral, foram vigorosamente refutadas no mesmo jornal por seu marido, o Rev. Algernon Kingsford e pelo Sr. Maitland. Lamentamos saber que seus últimos dias foram amargurados pela agonia mental infligida sobre ela por uma freira inescrupulosa, que, conforme nos declarou o Sr. Maitland, se apresentou falsamente como uma enfermeira – e nada mais fazia do que perturbar sua paciente – “importuná-la e rezar”. Que a Sra. Kingsford era totalmente contra a teologia da Igreja de Roma, embora acreditasse em doutrinas católicas, pode ser provado por uma de suas últimas cartas a mim enviada, tratando do “pobre caluniado São Satã”, em relação a certos ataques à denominação de nossa revista, Lúcifer. Preservamos esta e várias outras cartas, uma vez que foram todas escritas entre setembro de 1887 e janeiro de 1888. Elas são, assim, testemunhos eloquentes contra as alegações do Weekly Register. Pois provam que a Sra. Kingsford não abjurou seus pontos de vista nem morreu “na fidelidade da Igreja Católica”.